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Guiné 63/74 - P15784: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (39): De 1 a 24 de Agosto de 1974

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1. Em mensagem do dia 19 de Fevereiro de 2016, o nosso camarada António Murta, ex-Alf Mil Inf.ª Minas e Armadilhas da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), enviou-nos mais uma das suas Memórias, a 39.ª.


CADERNO DE MEMÓRIAS
A. MURTA – GUINÉ, 1973-74

39 - De 1 a 24 de Agosto de 1974 (quinta-feira)

Parti finalmente de Bissau rumo à Metrópole e a casa, para gozar umas férias que, de tão merecidas, se prolongaram até à minha passagem à disponibilidade em 28 de Setembro/74, não mais retornando à Guiné.

Ironia das ironias, ao fim de 18 meses de comissão num território em que cada metro quadrado era, potencialmente, um bom lugar para se morrer, foi a caminho de casa que tive o meu último susto de morte. Sem exagero, vi-a mesmo ao lado. O avião em que seguia fez escala na Ilha do Sal em Cabo Verde, como era frequente. Tenho uma vaga lembrança de que estava uma tarde magnífica e de que nos fizemos à pista com aparente normalidade. Contudo, ao poisar na pista, o Boeing fê-lo batendo apenas com o trem de aterragem do lado direito e eu, à janela desse lado, julguei ver o reactor sob a asa que rasava o chão, chispar na pista. Fiquei sem fôlego. Entretanto, ainda em velocidade vertiginosa, o avião aponta a asa ao céu e vejo (vimos todos com terror) o reactor da asa oposta raspar junto ao chão desse lado. Até perder velocidade e estabilizar já próximo das instalações do aeroporto, foi assim a alternância entre as duas asas, e só aos poucos percebemos, com alívio, que era cada vez maior a distância do reactor ao chão. Com o avião parado quase dava para um homem em pé passar sob o reactor...

****** 

Foi indescritível o país que vim encontrar na minha terra, neste mês de Agosto. Tão indescritível que me vou poupar a revelações do que, quase todos conheceram antes de mim, evitando ainda o risco de ser panfletário ou demasiado optimista quanto ao futuro que se avizinhava. Mas para quem como eu, nasceu e cresceu na mais cinzenta das ditaduras, num país amordaçado até ao sufoco, não posso deixar de revelar a mais doce das liberdades com que me deparei: a liberdade de expressão.

“Sei que estás em festa, pá / Fico contente”

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No final deste mês de Agosto/74, no dia 29, destaque para a ratificação do acordo com o PAIGC sobre a independência da Guiné, feita pelo Presidente da República António de Spínola.

Ainda no fim de Agosto e depois de ver gorado o meu regresso à Guiné, como dei conta anteriormente, fiquei algum tempo em estado de choque perante o facto consumado: o meu Batalhão tinha regressado à Metrópole durante o meu período de férias. Passado esse período difícil e arrumadas as diligências que se impunham, aos poucos, virou-se o meu pensamento para aqueles que não voltaria a ver e que me haviam suavizado os dias na Guiné. Ainda não eram as saudades a amolecer-me a alma, como ocorreria mais tarde, mas a lembrança penosa de que não me despedira de quem gostava e a dúvida do que terão ficado a pensar de mim. De facto, embora não houvesse motivos, poderia até parecer que me antecipara de forma calculada à saída da tropa de Nhala. De todos os que deixei sem um abraço, camaradas de armas e habitantes da tabanca de Nhala, ficou-me até hoje uma saudade profunda. Que caminhos terão seguido os meus soldados e os demais camaradas? Que será feito dos meus amigos e amigas da tabanca? É de alguns destes últimos que, com nostalgia, aqui deixo uma breve galeria.

Foto 1 – Nhala, 1973: Eu e o Manel, rapazinho inteligente e muito dedicado à tropa, que passava o dia quase todo no aquartelamento. Tinha uma especial consideração por mim e eu ajudava-o no que podia. 

Foto 2 – Nhala, 1973: Jomel, um caso de excepção na ajuda ao furriel enfermeiro, passava todo o seu tempo na enfermaria. Safado, ria-se quando o confrontávamos com a sua condição de muçulmano que comia do nosso rancho, desde as salsichas até ao pé-de-porco. 

Foto 3 – Nhala, 1973: Jarrai, “a bela”. Provocadora e esquiva, não permitia que lhe tocassem. Se tivesse acontecido haver uma Rainha Jinga na Guiné, seria ela.

Foto 4 – Nhala, 1973: Eu e a Rosa, minha primeira lavadeira. Competente mas trituradora de botões de fardamento, como só ela. 

Foto 5 – Nhala, 1974: A minha segunda e definitiva lavadeira, Fátima. Dedicada e delicada só tinha qualidades. E falava português... 

Foto 6 – Nhala, 1973: Mulheres recolhem água na fonte. 

Foto 7 – Nhala, 1973: Eu, na fonte junto de lavadeiras. 

Foto 8 – Nhala, 1974: Eu, na fonte cumprimentando uma bajuda. 

Foto 9 – Nhala, 1974: O Alf Mil Neto da CCAV 8351, na altura com o seu grupo em Nhala a dar apoio às obras na estrada A. Formosa-Buba. Aqui a dialogar com a Rosa, parece-me.

Foto 10 – Nhala, 1974: Mulheres e bajudas recolhem água e lavam o “corpinho”. 

Junto mais duas imagens que muito me tocam pela nostalgia de um tempo que eu vivi mas que passou à história. Digo-o sem falsos patriotismos e sem ambiguidade quanto ao fim desse tempo que, mais cedo ou mais tarde, teria de ocorrer.

Foto 11 – Nhala, 1973 em dia de coluna, com a bandeira lá no alto. 

Foto 12 – Nhala, 1973: Cerimónia do arrear da bandeira que ainda se repetiria por mais um ano, aproximadamente. Como se pode ver, estava um grupo de combate a entrar, que pára em sentido. Mesmo as mulheres que vinham da fonte com água à cabeça paravam nestas ocasiões, tal como os homens e as crianças. 

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Transcrevo a última parte da HU relativa a acontecimentos que já não testemunhei.

História da Unidade do BCAÇ 4513: 

Período de 01AGO a 20AGO74. [Na verdade, vai até ao dia 24]

AGO74/02– Com uma cerimónia simples, inaugurou-se um novo campo de jogos de futebol de “cinco” no aquartelamento de A. FORMOSA. Este campo passou a chamar-se “Campo 1.º DE MAIO”.

- Comandante deslocou-se a BISSAU a fim de tratar assuntos relacionados com a desactivação da CCAÇ18 e PEL CAÇ NAT.

- Apresentou-se de licença disciplinar o Exmo. Major DIAS MARQUES, 2.º Comandante do Batalhão.

AGO74/03– Iniciou-se o levantamento de todos os campos de minas do Subsector de A. FORMOSA.

- A secção do 19.º PEL ART sediado em A. FORMOSA regressou a BUBA. O 14.º PEL ART, sediado em CUMBIJÃ, foi deslocado para A. FORMOSA.

- Comandante regressou de BISSAU.

AGO74/05– Comandante e 2.º Comandante deslocaram-se a COILBUIA e CUMBIJÃ.

AGO74/07– Foi desocupado o Destacamento de CUMBIJÃ e entregue ao PAIGC. Da cerimónia constou o arrear da Bandeira Nacional e o hastear da Bandeira da Rep. GUINÉ-BISSAU, com honras prestadas por dois GR COMB da CCAV 8350 e um Bigrupo do PAIGC.

Estiveram presentes além do Comandante, 2.º Comandante, Oficiais, Sargentos e Praças do Batalhão, comissários do PAIGC, Comandante do 3.º CE, Autoridades Gentílicas e população.

AGO74/08– Estiveram presentes em A. FORMOSA, o Exmo. Comandante do COP-5, acompanhado de alguns elementos do PAIGC entre os quais o Comissário JULINHO.

AGO74/09– Foi desocupado o Destacamento de COLIBUIA e entregue ao PAIGC. Da cerimónia constou o arrear da Bandeira Nacional e o hastear da Bandeira da Rep. GUINÉ-BISSAU, com honras prestadas por dois GR COMB da CCAV 8350 e um Bigrupo do PAIGC.

Estiveram presentes além do Comandante, 2.º Comandante, Oficiais, Sargentos e Praças do Batalhão, comissários do PAIGC, Comandante do 3.º CE, Autoridades Gentílicas e população.

AGO74/10– O Exmo. 2.º Comandante deslocou-se a BUBA e NHALA.

AGO74/12– Por determinação do Comandante Militar deslocou-se para BISSAU, o Comandante deste TEN COR RAMALHEIRA, a fim de assumir novas funções.

Passou a comandar o Batalhão o Major DIAS MARQUES.

- Esteve presente em A. FORMOSA o Exmo. Major VEIGA DA FONSECA, a fim de tratar assuntos relacionados com a desactivação da CCAÇ 18 e PEL CAÇ NAT 55, 68 e 69.

AGO74/13– Comandante Interino deslocou-se a BUBA, a fim de assistir a embarque de materiais para BISSAU.

AGO74/14– O OF/OP/INFO deslocou-se a BUBA e NHALA a fim de tratar assuntos relacionados com evacuação de materiais.

AGO74/15– Comandante Interino deslocou-se a BUBA a fim de assistir a embarque de materiais evacuados do Sector e com destino a BISSAU. - Esteve presente em A. FORMOSA Comandante AZEVEDO COUTINHO da Marinha de Guerra. AGO74/17

- Esteve presente em A. FORMOSA o Cap. FONSECA ALFERES da COM. UN. AFRICANAS a fim de tratar assuntos relacionados com a desactivação das Unidades Africanas do Sector.

AGO74/18– Com a vinda do Tesoureiro de BISSAU, e em cumprimento da Circular 12/CMD do Comando-Chefe, processou-se à desactivação da CCAÇ18, com entrega de fardamento, armamento, munições e equipamento, recebendo todos os militares todos os seus vencimentos até 31DEZ74. Foram também desactivados nos mesmos moldes o 14.º PEL ART (14) e 2.º PEL BAAA 7040. Todas estas operações decorreram na melhor ordem.

AGO74/19– Foram desactivados nos moldes da Circular 12/CMD os PEL CAÇ NAT 55, 68 e 69.

- O 1.º PEL/EREC 8840 regressou a BAFATÁ.

- O OF/OPER/INFO deslocou-se a BUBA e NHALA.

AGO74/21 – Foram desocupados e entregues ao PAIGC os Destacamentos da CHAMARRA e PATE EMBALO.

- Comandante Interino deslocou-se a BUBA a fim de assistir à evacuação de materiais para BISSAU.

AGO74/24– O OF/OPER/INFO deslocou-se a BUBA e NHALA.

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Dado que nada mais consta da História da Unidade do BCAÇ 4513, nem do Resumo dos Factos e Feitos Mais Importantes da mesma Unidade, anoto mais quatro desactivações de aquartelamentos do Sector que aqui importa, transcritos, com a devida vénia, da publicação que fez no nosso Blogue, o Luís Gonçalves Vaz, filho do Cor Cav Henrique Gonçalves Vaz (1922-2001), último Chefe do Estado-Maior do CTIG (1973/74):

MAMPATÁ – 29 de Agosto de 1974;
ALDEIA FORMOSA – 31 de Agosto de 1974;
NHALA – 2 de Setembro de 1974
BUBA – 4 de Setembro de 1974

(continua)
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 Nota do editor

Poste anterior da série de 16 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15755: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (38): De 10 a 31 de Julho de 1974

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