
Queridos amigos,
Trata-se de um estudo muito bem documentado, a galeria dos protagonistas é servida com rigor e objetividade, o contexto da guerra angolana toma sempre em conta as outras frentes, no final da obra o autor diz que aquela guerra estava inextricavelmente ligada a conflitos não resolvidos nos outros territórios africanos. Fala-se da Guiné onde se sabia não seria possível para qualquer um dos lados uma vitória retumbante e a seu propósito escreve o autor: “A Guiné seria o teste crítico de resistência e de força de vontade das Forças Armadas e a razão principal para o colapso do governo em 1974”.
Outro autor por ele citado dirá mesmo que Caetano não podia ter aqui a sua batalha de Dien Bien Phu e prosseguir como se nada tivesse acontecido.
Um abraço do
Mário
Guerra e paz, Portugal/Angola, 1961-1974
Beja Santos
Não se trata propriamente de um olhar de um historiador estrangeiro, o Brigadeiro-General Willem van der Waals autor de “Guerra e Paz, Portugal/Angola, 1961-1974”, Casa das Letras, 2015, foi vice-cônsul da África do Sul em Luanda, entre Abril de 1970 e Dezembro de 1973. Conheceu na perfeição a UNITA e este seu livro tem por base a sua tese de doutoramento numa universidade sul-africana. Com o 25 de Abril de 1974, o autor, colocado na Namíbia, contactou a UNITA. Foi depois colocado no quartel-general sul-africano em Pretória, o dossiê Angola não mais o largou. E como ele bem diz, para se compreender totalmente a guerra civil Angolana, o envolvimento de África do Sul e a Angola de hoje é necessário compreender todos os acontecimentos luso-angolanos, sobretudo a partir de 1961.
O estudo de van der Waals aparece bem compartimentado, baseia-se numa tese de doutoramento, é multidisciplinar e tem ambições de enquadrar os múltiplos protagonistas desenvolvidos. Começa por nos dar o ambiente físico e humano e enquadramento histórico de Angola, a emergência do nacionalismo a partir da era de Salazar e o despontar de forças como o MPLA e a UPA. Recorda que o Acto Colonial previa uma maior dignificação do indígena e o fim do trabalho forçado, mas que nada se passou assim, como observa: “Um fazendeiro que requeria trabalhadores solicitava-os às autoridades governamentais, após o que se abordavam os líderes negros para preencherem a quota com gente das suas comunidades. Se não o faziam, a questão passava para a polícia, que realizava batidas arbitrárias arrebanhando homens até preencher a quota. Tais práticas laborais revoltantes tornaram-se no foco da atenção não só em Portugal mas também a nível internacional. Em 1947, o Capitão Henrique Calvão, na qualidade de Inspector-Chefe da Administração Colonial apresentou um relatório numa reunião secreta da Assembleia Nacional, alegando que a economia angolana explorava mão-de-obra negra barata comparando o trabalho do contratado ao da escravatura. Avisou o governo de que haveria uma catástrofe iminente caso as condições de trabalho não fossem rapidamente melhoradas”.
Temos seguidamente o ano crítico de 1961, correspondente ao início das sublevações, segue-se a luta revolucionária limitada entre os anos de 1962 a 1966 e a guerra prolongada entre os anos de 1967 a 1974. Não havendo qualquer surpresa na documentação apresentada, louva-se o autor pela capacidade de síntese na apresentação dos protagonistas e dos demais movimentos de libertação em colónias portuguesas. O mesmo se dirá da boa capacidade esquemática apresentada para os factos da luta revolucionária, inicialmente centrada na região Norte e posteriormente na frente do Leste. Fica-se com o entendimento dos altos e baixos na representação das três forças anticoloniais, as suas filosofias e até os seus aliados. Há muito que se sabe que o MPLA, no início de 1974, vivia precariamente e com destino aleatório. Em 18 de Abril de 1974, o comandante de esquadrão Manuel Muti rendeu-se às autoridades portuguesas, dando informações dentro das fileiras do MPLA, ficou-se a saber que havia duas fações distintas encabeçadas por Agostinho Neto e Daniel Chipenda. A figura-chave que leva à neutralização temporária da sublevação de Luana é Costa Gomes. Enquanto Comandante-Chefe de Angola, reformou a estrutura do comando e do controlo e assumiu o real comando das operações, africanizou as forças da ordem e colocou o General Bettencourt Rodrigues como Comandante da Zona Leste onde, em 1971, lançou uma ofensiva bem-sucedida. Van der Waals esmiúça com detalhe a evolução da FNLA/GRAE/ELNA, da UNITA e procura interpretar as razões do êxito temporário das forças portuguesas frente ao inimigo. E escreve: “Encarada isoladamente, a guerra em Angola redunda num excelente exemplo de luta contrarrevolucionária relativamente bem-sucedida. Em 1974, os movimentos de resistência que desafiavam a autoridade de Portugal em Angola encontravam-se exaustos e divididos. Do mesmo modo, o cansaço da guerra impregnara já a mentalidade portuguesa, muito em concreto no seio das Forças Armadas. Este sintoma, resultado de 13 anos de guerra, mostrava-se menos palpável em Angola mas viria, não obstante a determinar o seu destino. A guerra de Portugal e Angola, quando chegou ao fim, estava inextricavelmente ligada a conflitos não resolvidos nos outros territórios africanos e a tendências subterrâneas existentes na própria Metrópole”.
De leitura obrigatória para compreender a mais sangrenta sublevação contra o colonialismo na história de África a Sul do Sara.
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Nota do editor
Último poste da série de 21 de Outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16624: Notas de leitura (892): “História da História em Portugal, Séculos XIX-XX”, organização de Luís Reis Torgal, José Amado Mendes, Fernando Catroga; Temas e Debates; 1998, volume II (3) (Mário Beja Santos)