
[Foto à esquerda: Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Simpósio Internacional de Guiledje > 1 de Março de 2008 > O Zé Teixeira com a Cadidjatu Candé.
Foto (e legenda): © José Teixeira (2015). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Poucos dias depois de chegar à Guiné, escrevi:
Prometi a minha mãe não me esquecer de Deus, mas confesso, que Ele se escapuliu, logo nos primeiros abalos do mar alto que me fizeram vomitar tudo quanto tinha e não tinha no estômago em alta sinfonia com centenas de camaradas alojados no porão do Niassa.
Singular fenómeno de religiosidade, fui encontrar em Ingoré. Aí que tive o primeiro reencontro com Deus, após a saída de Portugal.
Logo no segundo dia da chegada, depois do jantar e acabada a limpeza do refeitório, este enche-se de novo, agora sem pratos nem comida para o corpo. Seguia-se o momento de alimentar a alma. O grupo foi engrossando. Um estranho silêncio ou conversas em tom abaixo do normal, provocaram-me para ir averiguar o que se passava, com aquele grupo de camaradas de tez queimada por uns meses largos de sol na Guiné.
Um jovem soldado, lá na frente, começa a “votar” o terço em honra de Nossa Senhora, respondendo em coro o grupo de combatentes, onde se viam praças e um ou dois furriéis.
Foram vinte minutos de paragem, de reflexão, sobre o que me era exigido como seguidor do projeto de Jesus Cristo numa guerra para onde fui atirado, contra a vontade, pelos “senhores” do meu país.
Rezar, para mim, é mais um permanente estado de louvor a Deus pela vida, pela natureza que me disponibilizou para a minha felicidade. Corresponsabilizando-me com actos e acções de defesa de mim próprio no ambiente de guerra em que estou inserido, no respeito e serviço aos outros que me rodeiam pela missão que me foi atribuída - enfermeiro.
A oração não é para mim uma forma de negociar com Deus, com promessas a cumprir se... chegar ao fim da comissão escorreito, ou um pedir permanente a proteção, vendo Deus como que um guarda chuva protetor, esquecendo que esse mesmo Deus também o é de tantos, quantos do outro lado da barricada nos atacam ou se defendem.
Os povos que ousam fazer-nos frente, possivelmente também tem a “sua Fé”, os seus santos a quem se agarrar nos momentos difíceis, os amuletos que lhes vemos à cintura são a prova evidente. Também têm avós, pais, esposas, namoradas. Algumas, na frente de guerra, combatem lado a lado, outras, na retaguarda, sofrem como as nossas mães, os nossos familiares.
PS - Sobre o fenómeno de Fátima, onde gosto de ir no silêncio, já escrevi o poste nº 1873 um pouco baseado neste, que já estava escrito há muito tempo. (**)
Creio que esta reflexão continua atual, pois muitas vezes deusifica-se a Virgem Maria e tenta-se "negociar" com ela a salvação na vida terrena com promessas de sacrifícios. Ouso colocar a questão: Quem é a mãe/pai que gosta de ver um filho a sofrer, mesmo que seja por "amor" ?
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Notas do editor:
(*) Vd. poste d 11 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17347: Inquérito 'on line' (112): Fátima: num total preliminar de 20 respostas, cerca de 2/3 foi lá "como simples turista ou em passeio"... Prazo de resposta: dia 17, 4ª feira, até às 16h53
(**) Vd. poste de 24 de junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1873: Reflexão sobre Fátima, o drama da guerra e o conflito com a Fé que nos inculcaram (Zé Teixeira)