Do Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos estas duas publicações da sua autoria.
O MENINO DE BRILHO NOS OLHOS
ADÃO CRUZ
© Adão Cruz
O menino corria
corria atrás do sol no correr de cada dia
e no doce brilho dos olhos toda a alma se lhe via.
O menino corria
corria atrás da lua que se erguia entre estrelas e magia
e no brilho dos olhos toda a alma luzia.
O menino corria
corria atrás do vento que fugia para lá do tempo
e nos olhos do menino o vento se perdia.
O menino corria
corria atrás da chuva e quanto mais água caía
mais o brilho dos olhos se acendia.
O menino dormia
dormia no reino dos sonhos e da fantasia
e nos olhitos dormidos o brilho se escondia.
O menino acordava
acordava no alvor de cada dia
e a vida renascia no abrir dos olhos onde a alma luzia.
Até que um dia…
Uma nuvem negra
muito negra
tombou do céu e se fez gigante
de longas barbas e olhar perfurante
com um relâmpago em cada mão.
Roubava o brilho dos olhos
e nas entranhas do trovão se desfazia.
O menino tremia
tremia sem saber o que acontecia.
O menino chorava
chorava sem saber a razão.
O menino fugia
fugia
mas algo lhe dizia que de nada valia.
Chamou as pombas rouxinóis e cotovias
sardões caracóis e libelinhas
enlaçou-se de gavinhas
abraçou as árvores beijou a terra
e tudo o que nele vivia.
Mas ninguém lhe respondia
Todos o olhavam com tristeza e melancolia.
Perdera o menino o brilho dos olhos
e neles a inocência morria.
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MINHA MÃE TERRA
ADÃO CRUZ
© Adão Cruz
Agora sei que minha mãe terra é esta terra de barro e planície, este chão de sol vermelho e pedras de silêncio sem história.
Sei agora que minha mãe terra dorme nas tímidas cores do horizonte, no interminável mundo de paletas impossíveis.
Agora sei que minha mãe terra é o irrevogável rosto do passado entre braços vazios e vozes que não se ouvem.
Sei agora que minha mãe terra vive no eco das palavras ditas ao longo de ruas sem qualquer sentido.
Agora sei que minha mãe terra é o fim desta terra interminável das palavras que ninguém ouve e das cores que ninguém vê.
Sei agora que minha mãe terra não é o calor do caminho da manhã, mas o frio das horas magoadas nos dias que nascem sem nome.
Agora sei que minha mãe terra é o lugar entre o sonho e a miragem recriado no tormento deste barro moldado sem memória.
Sei agora que minha mãe terra é segunda infância sem futuro, esta inocência singular de uma pintura sempre inacabada.
Agora sei que minha mãe terra é o amor perdido no granito falsamente incendiado pelo fulgor do sol poente.
Sei agora que minha mãe terra é o chão desta planície muda, adormecida nos frágeis sonhos da madrugada.
Agora sei que minha mãe terra é a saudade de tudo o que era… e não é nada.
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Nota do editor
Último poste da série de 3 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18041: Blogues da nossa blogosfera (82): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547