
Camaradas,
Tenho andado às voltas com a minha última obra. Fui buscar o tema do futebol que a malta praticava nos aquartelamentos na Guiné. É óbvio que aproveitei o tema e falo da obra que será lançada ao público no dia 27 de novembro de 2015, sexta-feira, 20h30, na Biblioteca Municipal José Saramago, em Beja. Os artistas da foto são: em cima Santos, Dias, "Maia" e Fonseca em baixo Zé Saúde e Rui.
Futebol em Gabu, um entretenimento saudável
Uma equipa de Nova Lamego
Corre-me nas veias o gosto pelo futebol. Lembro-me dos tempos de menino e moço jogar num dos largos da minha aldeia com uma bola que me sussurrava, metaforicamente falando, uma inspiração divinal e que me remetia para um mundo de sonhos.
Uma bola de trapos, uma bexiga de porco, regateada entre a miudagem numa matança recente de um suíno criado na pocilga do quintal de um vizinho, ou no matadouro comunitário da freguesia, bem como uma moderna bola de borracha comprada na mais recente feira anual do mês de setembro, eram símbolos que me acicatavam a mente.
Recordo essas manhãs diabólicas no Largo do Ferreira, em Aldeia Nova de São Bento, onde os chutos no esférico deixavam antever semânticas crenças de crianças que se entregavam desmesuradamente ao jogo da bola.
Cresci, e vivi, com o futebol sempre aos meus pés. Aliás, o meu percurso desportivo marcou, inevitavelmente, uma carreira que conheceu o seu auge quando aos 16 anos ingressei no Sporting Clube de Portugal onde tive como primeiro treinador o saudoso Zé Travassos, o “Zé da Europa” como ficou eternizado. Seguiu-se uma passagem por Alvalade com as cores verdes e brancas a marcarem um indiscutível período de profundas sensações.
Neste contexto, assumo que a Guiné não passou ao lado de uma virtualidade que, para mim, antes já se tinha assumido como vulgar. Refresco a componente saudade e revejo uma foto de rapaziada que comigo se divertia em finais de tarde com a temática futeboleira lá para as bandas de Gabu.
Os camaradas recordar-se-ão, certamente, desses célebres momentos de puro convívio. Afastando o conceito de guerra, e entre arames farpados, abrigos e de valas que rodeavam o aquartelamento onde, a espaços, a artilharia pesada sinalizava a sua presença, a malta divertia-se a jogar futebol, sendo os golos a afirmação para uma sobremesa apetitosa.
Construíam-se equipas, normalmente formadas com os mais dotados, e a malta gozava à brava com uma vitória alcançada. O simbolismo da derrota era apenas desportiva e ocasional. No terreno, onde as batalhas tinham lugar, as coisas piavam mais fino.
Trago à ilustração da narrativa uma equipa arranjada, ocasionalmente, que se dispôs a travar um duelo com outros camaradas da minha companhia. A malta da “ferrugem”, recordo, era danada. Lembro-me a luta que os rapazes davam aos furriéis. Tinha uns “putos” bons de bola e os desafios eram sempre renhidos.
Camaradas, sendo o fenómeno futebolístico a minha área, permitam-me, com a devida vénia e respeito, aqui expor uma franja dos meus conteúdos descritivos como homem da escrita - jornalista e escritor - sobre a temática futebol.
Creio que a nível nacional não haverá este amiudado debitar de narrações como este vosso camarada o tem feito. Fui pioneiro na explanação do futebol sul alentejano em livro, deixando conteúdos reais sobre a evolução futebolística na AF Beja ao longo do Séc. XX.
“GLÓRIAS DO PASSADO”, volumes I e II, sintetizam marcos históricos que nos remetem a um passado onde a nossa razão existencial nos transporta a inolvidáveis momentos.
Agora, este velho combatente em território da Guiné, 1973/1974, um ranger carimbado com o destino que a vida militar lhe impôs, desafiou as calendas do passado, percorreu travessas, quiçá impensáveis, girou entre armazéns de histórias que ficariam por contar uma vez que essas biografias estavam hermeticamente contidas em gavetas onde o caruncho já corrompia, e eis uma obra, mais uma, onde se conta a história dos clubes da Associação de Futebol de Beja, em 90 Anos de Memórias e Relatos.
Um míssil lançado de uma posição avançada do IN que fez estremecer corpos de gentes jovens, deu-me renovadas ganas e remeteu-me para um desvendar constante do vício do jogo da bola. Em 1888 os irmãos Pinto Bastos, Guilherme, Eduardo e Frederico, estudantes num colégio em Liverpool, Inglaterra, trouxeram para Portugal a primeira bola e com ela o futebol.
Em 1906, um grupo de estudantes bejenses que frequentavam escolas em Lisboa, designadamente o Colégio Militar e a Escola Académica, trouxeram para Beja o gosto pelo jogo precisamente nas férias de Natal desse ano.
Formaram-se então grupos, mais tarde os clubes, e em 30 de março de 1925 fundou-se a Associação de Futebol de Beja. E foi neste contexto, e à beira de uma imprevisibilidade que o adensado mato impunha ao combatente, que este guerreiro ousou desafiar as trincheiras inimigas, ultrapassar capins que escondiam o terror do medo e dissecar a realidade futebolística bejense desde os seus primórdios até ao momento presente.
É a luta tenaz deste vosso camarada que, não obstante as suas limitações físicas – AVC ocorrido na madrugado do dia 27 de julho de 2006 -, jamais se quedou pelo infortúnio, continuando a debitar descrições para as gerações vindouras apreciarem.
Desde cenas contadas com a minha comissão militar por terras da Guiné até ao alforge de recordações que enchem de prazer uma vida que já vai longa, são eternos resquícios de um passado que jamais voltará.
Um abraço, camaradas
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:
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