
[, foto à esquerda: emigrou para Angola nos anos 50, foi fur mil em 1961/62; saiu de Angola com a independência, emigrou para o Brasil e finalmente foi topógrafo da TECNIL, Guiné-Bissau, em 1979/93; é um "ex-colon e retornado", como ele gosta de dizer com a sabedoria, bonomia e o sentido de humor de quem tem várias vidas para contar; é membro sénior da Tabanca Grande]:
Data: 8 de dezembro de 2015 às 00:09
Assunto: A colónia onde todas as Fatumata tinham de se chamar Maria - Guiné Bissau (Sobre a a reportagem do jornal Público)
Luís e Carlos, só se não houver inconveniente...
Interessantíssima esta reportagem que Carlos Vinhal enviou para conhecimento do pessoal da Tabanca Grande [ "A colónia onde todas as Fatumata tinham de se chamar Maria", de Joana Gorjão Henriques (texto), Adriano Miranda (fotos) e Frederico Batista (vídeo), Público, 6 de dezembro de 2015 (Série especial: Racismo português)].
Assunto: A colónia onde todas as Fatumata tinham de se chamar Maria - Guiné Bissau (Sobre a a reportagem do jornal Público)
Luís e Carlos, só se não houver inconveniente...
Interessantíssima esta reportagem que Carlos Vinhal enviou para conhecimento do pessoal da Tabanca Grande [ "A colónia onde todas as Fatumata tinham de se chamar Maria", de Joana Gorjão Henriques (texto), Adriano Miranda (fotos) e Frederico Batista (vídeo), Público, 6 de dezembro de 2015 (Série especial: Racismo português)].
Esta reportagem pouco traz de novo para quem antigamente ouvia as emissoras rádio Pequim, rádio Moscovo, rádio Praga, Deutsche Welle, etc., em programas em português do MPLA, PAIGC e FRELIMO.
A maior diferença de discurso, está entre o anti-colonialismo primário e demagógico daqueles movimentos, e aqui sobressai apenas a crítica aos defeitos da colonização portuguesa.
O que é mais estranho é que as pessoas, filhos das "vítimas" do colonialismo, africanos dos PALOP em geral, continuem passivamente a não se descolonizarem mais radicalmente, ao ponto de abusarem, hoje, cada vez mais de "perucas" e a viver em cubatas de vários pisos ( Prédios enormes no caso de Luanda). A preferir viver em andares sem quintal, sem a antiga tradicional qualidade de vida familiar africana,
Não resisto a respigar uns tópicos dessa reportagem e entre parênteses fazer os meus comentários um tanto levianamente, porque colaborei e vi fazer essa tão má e tão pouco intensa colonização (parece que se diz "colonização suave").
O que é mais estranho é que as pessoas, filhos das "vítimas" do colonialismo, africanos dos PALOP em geral, continuem passivamente a não se descolonizarem mais radicalmente, ao ponto de abusarem, hoje, cada vez mais de "perucas" e a viver em cubatas de vários pisos ( Prédios enormes no caso de Luanda). A preferir viver em andares sem quintal, sem a antiga tradicional qualidade de vida familiar africana,
Não resisto a respigar uns tópicos dessa reportagem e entre parênteses fazer os meus comentários um tanto levianamente, porque colaborei e vi fazer essa tão má e tão pouco intensa colonização (parece que se diz "colonização suave").
Aliás, se qualquer colonização fosse boa, ninguém queria ser descolonizado, antes pelo contrário. Era caso para dizer vai chamar pai a outro, de um lado , ou vai chamar filho a outro, do outro lado E como sei que se foi difícil ser colonizado, também muito difícil era colonizar.
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A prova que era difícil colonizar, é que os Europeus desistiram bem cedo dessa colonização, e com certeza aos olhos de muitos africanos antigos, até teria sido cedo demais, que pensam isso mas não dizem.
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A prova que era difícil colonizar, é que os Europeus desistiram bem cedo dessa colonização, e com certeza aos olhos de muitos africanos antigos, até teria sido cedo demais, que pensam isso mas não dizem.
Então lá vão os tópicos que me chamaram mais a atenção, nessa grande reportagem, e que alguns são bem genuínos, outros "assim-assim". (Entre parênteses é explicação minha, que fui cólon em Luanda muitos anos)
A colónia onde todas as Fatumata tinham de se chamar Maria. (Também se chamavam Domingas ou Segunda, talvez inspirados no inglês Robinson Crusoe com o seu Fryday)
Nos tempos do colonialismo português, o guineense tinha de vestir-se como um europeu para provar que tinha direito a ser cidadão.(Aqui haveria mesmo discriminação, ficavam isentas dessa obrigação as bajudas bijagós com as saias de palha? )
As mulheres tinham de desfrisar o cabelo, desfazer as tranças africanas. (Era o colono a ditar moda.)
A separação entre os guineenses e portugueses era real. (Só na praça o guineense não podia viver, porque na tabanca o português entrava e saía quando queria.)
Ninguém podia atravessar descalço a fronteira que dava acesso a Bissau. (Chapa Bissau)(eram manias de colonos que na terrinha até andavam sempre descalços.)
Num exemplar da Caderneta do Indígena vêem-se várias folhas, cada uma com itens que alguém preencheria: as características, o imposto indígena, a contribuição braçal, castigos e condenações…(Era um autêntico cartão de cidadão com registo criminal.)
Os velhos contam que, quando se abriam as estradas, as pessoas eram obrigadas a ir trabalhar. (Com a agravante de só os brancos é que tinham automóvel.),
A colónia onde todas as Fatumata tinham de se chamar Maria. (Também se chamavam Domingas ou Segunda, talvez inspirados no inglês Robinson Crusoe com o seu Fryday)
Nos tempos do colonialismo português, o guineense tinha de vestir-se como um europeu para provar que tinha direito a ser cidadão.(Aqui haveria mesmo discriminação, ficavam isentas dessa obrigação as bajudas bijagós com as saias de palha? )
As mulheres tinham de desfrisar o cabelo, desfazer as tranças africanas. (Era o colono a ditar moda.)
A separação entre os guineenses e portugueses era real. (Só na praça o guineense não podia viver, porque na tabanca o português entrava e saía quando queria.)
Ninguém podia atravessar descalço a fronteira que dava acesso a Bissau. (Chapa Bissau)(eram manias de colonos que na terrinha até andavam sempre descalços.)
Num exemplar da Caderneta do Indígena vêem-se várias folhas, cada uma com itens que alguém preencheria: as características, o imposto indígena, a contribuição braçal, castigos e condenações…(Era um autêntico cartão de cidadão com registo criminal.)
Os velhos contam que, quando se abriam as estradas, as pessoas eram obrigadas a ir trabalhar. (Com a agravante de só os brancos é que tinham automóvel.),
Quem eram os administradores? Raramente eram os lisboetas, os minhotos — muitas vezes eram os cabo-verdianos. (Pois, como além de administradores, também os dirigentes do PAIGC, Amílcar e os outros eram berdianos, imagina-se a indignação dos guineenses, não serem pioneiros nem na colonização nem na descolonização.)
Não fez uma única amiga nesse tempo. Quando ia de férias para o Norte, o pai guiando o seu Cadillac, havia sempre uma pequena multidão de curiosos atrás, tinham de fechar os vidros :"olha o preto, olha o preto, olha o preto", gritavam. Eram os anos 1960, a época de um "Portugal tacanho". E ignorante. A mentalidade dos portugueses na Guiné-Bissau não era muito diferente. (Refere-se aos tugas colonos que tínhamos abandonado as cabrinhas, vindo a escorregar por uma tábua, embarcámos em Alcântara num porão de navio e regressámos de Cadillac, com uma prole mestiça, hoje já não somos ignorantes e vamos para Bissau via Dakar de Jeep e para Luanda de avião e vimos sem Cadillac e sem prole.... E se fosse agora não se dizia "olha o preto" dizia-se "olha mais um escarumba".)
A maior parte do tempo o mestiço está a ter de provar que é tão guineense como os pretos. (O racismo dos pretos chegou ao ponto de em Luanda, no 25 de Abril, dizerem que os brancos vão para a terrinha, os mestiços não têm terra, vão para o mar.)
A teoria do luso-tropicalismo de Gilberto Freyre (1900-1987) suportou a ideologia do Estado Novo sobre a excepcionalidade portuguesa de estar nos trópicos. (Ideologia do Estado Novo, do Estado velho, de Marquês de Pombal, de António Vieira, de Sá da Bandeira e continuará cada vez mais.)
P.S. - Não menciono o nome dos vários entrevistados nesta reportagem, para não aumentar muito o poste
Cumprimentos
Antº Rosinha
Angola > Agosto de 1935 > Visita à Fazenda Tentativa, no âmbito do 1º Cruzeiro de Férias às Colónias de Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Princípe e Angola, uma inciativa da revista O Mundo Português, que juntou cerca de duas centenas de "estudantes, professores, médicos, engenheiros, advogados, artistas, escritores, industriais e comeriantes"...
O director cultural do cruzeiro foi o prof doutor Marcelo Caetano (1906-1980), então um jovem entusiasta do Estado Novo e doutrinador do corporativismo.(Será comisário da Mocidade Portuguesa em 1940 e ministro das colónias em 1944, até chegar a sucessor de Salazar, de 1968 a 1974).
Esta "revista de cultura e propaganda, arte e literatura coloniais" era dirigida pro Augusto Cunha, sendo propriedade da Agência Geral das Colónias e do Secretariado da Propaganda Nacional.
Fonte: O Mundo Português, vol II, nºs 21-22, setembro-outubro de 1935 (Exemplar oferecido ao nosso blogue por Mário Beja Santos; foto da autoria de Sam Payo, digitalizada e editada por L.G.; reproduzida com a devida vénia).
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Nota do editor:
Último poste da série > 30 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15428: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (39): 'Colon' e 'retornado'... É difícil de transmitir o que se passou e se sentiu... Os estudiosos metem os pés pelas mãos quando abrem boca.
Último poste da série > 30 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15428: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (39): 'Colon' e 'retornado'... É difícil de transmitir o que se passou e se sentiu... Os estudiosos metem os pés pelas mãos quando abrem boca.