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Channel: Luís Graça & Camaradas da Guiné
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Guiné 63/74 - P15596: Prova de vida (1): Fantasias de Natal... (Manuel Luís R. Sousa)

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1. Porque o Natal é quando o Homem quer e porque o nosso camarada Manuel Luís R. Sousa (ex-Soldado da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Jumbembem, 1972/74, actualmente Sargento-Ajudante da GNR na situação de Reforma), quis fazer a sua prova de vida, aqui temos uma ternurenta Fantasia de Natal enviada ao nosso Blogue ontem, dia 9 de Janeiro de 2015.

Amigo Carlos Vinhal:
Recebi recentemente um e-mail do nosso camarada Luís Graça, que tu também deves ter recebido, manifestando a sua preocupação em chegar ao ponto de recear telefonar para qualquer um de nós, temendo que o seu contacto seja já inoportuno, pedindo para dizermos "Ok, ainda estamos cá", como prova de vida.
Estando a rapaziada toda já "entradota", compreendo a sua preocupação. Pela parte que me toca, aqui estou a dizer "OK, ainda estou por cá", enviando-te em anexo um texto para, se o entenderes, o publicares. É um excerto do meu novo livro autobiográfico, prestes a ser editado, que contém uma mensagem de Natal, embora já um pouco extemporânea, para todos os companheiros.
Agora, amigo Carlos, com a publicação deste texto, ou a rapaziada gosta e vai adquirir o livro, espicaçada que foi, assim, a sua curiosidade, ajudando-me a escoar os livros que as editoras me "obrigam" a adquirir, mesmo sendo o autor, ou não gostam mesmo nada deste naco de prosa e o destino dos livros, além de um ou outro que vou por na estante, é uma pilha a um canto da garagem.
Como vês amigo, ainda cá estou e com algum sentido de humor.
Envio-te também uma fotografia para ilustração.

Um abraço para ti e para todos os companheiros, e respectivos familiares.
Bom Ano de 2016
Manuel Sousa



Fantasias de Natal…

Sempre me disseram, em criança, alimentando a minha fantasia, que o Menino Jesus, que eu via habitualmente num dos altares da Capela de S. Luís, - Folgares, Vila Flor - muito pequenino, de feições angelicais, de cabelo loiro, vestido com umas vestes brancas e resguardado numa redoma de vidro, nos visitava na altura do Natal, entrando pela chaminé, para deixar uns presentes nos sapatos que ali encontrasse.

Como é que aquele ser tão frágil e indefeso, – pensava comigo próprio, embora criança – tinha o vigor físico para, pela calada da noite, ao frio, à chuva ou à neve, subir ao telhado da nossa casa e descer depois ao interior, com a dificuldade acrescida de ali não existir qualquer chaminé? As chamas da fogueira crepitavam livremente até ao tecto, saindo o fumo por entre as telhas.

Mesmo assim, pelo sim e pelo não, na noite de Consoada, à falta de sapatos, lá ia colocando os socos junto à lareira, condição essencial para Ele deixar os presentes, segundo me diziam, na expectativa de que aquele Menino seria mesmo capaz de vencer tais obstáculos e descer através das "lares" para me deixar qualquer coisa – um carrinho, uma gaita. Oh...! Que alegria seria a minha.

No dia seguinte, ansiosamente, bem cedo, ia ver os socos que, para minha decepção e tristeza, continuavam intactos e sem qualquer presente. A explicação dos meus pais era a de que ele não teria brinquedos suficientes para todas as crianças, mas que, provavelmente, no ano seguinte seria a minha vez, ou então, diziam-me, que ele não teria entrado pelo facto de a nossa casa não ter chaminé e de não querer "enfurretar" as suas vestes alvas de neve na fuligem das "lares".

Serviam-me de algum consolo estas explicações e consolidava-se em mim aquela ideia de que o Menino Jesus, tão frágil, correndo o risco de se partir o barro de que era feito, não seria capaz de subir ao telhado da nossa casa. Isto por um lado. Por outro, chegava a pensar que Ele discriminava os meus socos, visto que o habitual, segundo me diziam, era porem-se na lareira na noite de Natal os sapatinhos. Coisa que eu não tinha.

Num desses anos da minha meninice, também por altura do Natal, encontrava-me na aldeia da Carrapatosa, onde passava alguns períodos com a minha avó materna. Mais uma vez, na noite de Consoada, levado pela mesma fantasia, a minha tia Aninhas aconselhou-me a colocar os socos no canto da lareira antes de ir para a cama. Com alguma relutância o fiz, pela experiência anterior e visto que a casa da minha avó também não tinha chaminé.

No dia seguinte, bem cedo, "inspeccionados" os socos, para minha surpresa e alegria, estavam atacados de rebuçados. Como criança que era, rejubilei de felicidade! Perante esta realidade, e não perdendo tempo em trincar e chupar alguns deles, percorrendo com o olhar toda a altura entre o tecto e a lareira, não pude deixar de pensar que o Menino Jesus da Carrapatosa era muito mais audaz do que o da minha terra, e imaginava como as suas vestes teriam ficado negras pela fuligem do cadeado das "lares", por onde ele teria descido feito alpinista.

Logo nesse dia, na ida à missa de Natal com a minha avó, a tia Aninhas e os meus primos, à Capela de Santa Luzia, tive a curiosidade de reparar na sua imagem, supondo eu, pelo que fez durante a noite, que estaria toda enfarruscada de fuligem. Para minha admiração, estava imaculadamente limpa, como era habitual, o que me deixou pensativo, concluindo que aquele menino em nada se comparava a outro qualquer. A mim, por exemplo. Porque se eu fizesse o que ele fez, a minha roupa estaria que nem a de um carvoeiro, impregnada de pó negro da lareira.

Só mais tarde tive a noção de que o Menino Jesus, para não se sujar e não apanhar o frio da noite, fez o cambalacho com a tia Aninhas, que era mordoma da capela, incumbindo-a de ali colocar os rebuçados, que Ele tinha requisitado na taberna, do Eugénio ou do Cassiano de Campelos, para serem debitados na Sua "conta". Aqueles a que eu tinha direito – os socos estavam repletos – em compensação dos anos anteriores que não me tinha trazido nada.

Que Menino Jesus nos abençoe a todos em geral e, especialmente, os ex-combatentes.
Manuel Sousa
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