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Guiné 63/74 - P15640: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (34): De 1 a 10 de Junho de 1974

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1. Em mensagem do dia 10 de Janeiro de 2016,  o nosso camarada António Murta, ex-Alf Mil Inf.ª Minas e Armadilhas da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), enviou-nos mais uma Memória, a 34.ª.


CADERNO DE MEMÓRIAS
A. MURTA – GUINÉ, 1973-74

34 - De 1 a 10 de Junho de 1974

Almoçando com o inimigo

Prosseguem os encontros com os guerrilheiros do PAIGC e os contactos “diplomáticos” e de cortesia dos seus responsáveis com as autoridades militares de Aldeia Formosa e um pouco por todos os aquartelamentos do Sector. Estas e outras iniciativas do PAIGC geram momentos de regozijo nuns casos e focos de tensão noutros, criando uma atmosfera cada vez mais incerta à medida que se vão riscando os dias do calendário. Nota-se da parte da nossa tropa um certo distanciamento desconfiado, às vezes só uma aproximação pela curiosidade e, não raro, até algum desagrado por atitudes ou iniciativas demasiado ousadas, para não dizer mais, tendo em conta a nossa ainda legitimada presença no terreno. Esperava-se mais contenção da parte deles nesta fase crítica e ainda pouco clara do processo, e que até à entrega do território imperassem regras pré-determinadas e o bom senso, mesmo considerando que ninguém estava preparado para a presente situação. Devo referir, em abono do rigor, que não estou absolutamente seguro de, com isto, transmitir o sentimento geral naquele período concreto. Baseio-me na memória que me resta e em notas que transcreverei adiante. Todavia, não andarei longe da verdade tendo em conta o meu próprio sentimento e porque, mais importante, me podia assumir como um dos poucos que sempre estivera com a causa deles e com os seus ideais, embora me mantendo fiel e firme na função que me tinha ali. Ora, se até eu por vezes os achava demasiado ousados nas suas incursões, imagina-se facilmente o sentimento geral. Também é certo que nem todos manifestavam aquela quase insolência, e houve bons momentos de confraternização e genuína satisfação pelo encontro amistoso dos inimigos de antanho. Ainda assim, eu, o idealista com mau feitio, ainda gerei um incidente (por distracção ou indiferença) com um alferes de um bigrupo, relacionado com o arrear da bandeira do PAIGC junto à escola primária de Nhala, por não ter mandado pôr em sentido os nossos soldados ali presentes. E, noutra situação, ia gerando um conflito “diplomático” com um comissário Político, não fora a sensibilidade e diplomacia do nosso capitão de Nhala que o convidara para almoçar connosco, o qual, aceitando o convite, se sentou à mesa de pistola à cintura. O assunto ficou entre mim e o capitão, que não acedeu a fazer uma chamada de atenção ao convidado, convencendo-me de que eu sobrevalorizara a importância do caso. Convenhamos que tinha razão.

Transcrevo a sucinta mas fundamental informação da HU, intercalada das minhas notas e comentários. Começa com o registo banal da rotina diária (que nas datas seguintes me dispensarei de transcrever), mas dá bem a ideia da situação no terreno: as armas não estavam depostas e tudo estava em aberto.


Da História da Unidade do BCAÇ 4513: 

JUN74/01– Forças do Batalhão e das Subunidades de reforço continuam, além dos patrulhamentos de defesa próxima dos aquartelamentos, a fazer a segurança dos trabalhos de Engenharia na estrada A. FORMOSA-BUBA e A. FORMOSA-R. CORUBAL.

- Realizou-se uma coluna a BUBA para transporte de víveres nomeadamente arroz para a população e militares.
- Esteve presente em A. FORMOSA o Exmo. Major ORNELAS MONTEIRO.
- O Comissário Político do PAIGC, BRAIMA BALDÉ, que tem permanecido em A. FORMOSA, deslocou-se a KANDIAFARA.


JUN74/03– Regressou de KANDIAFARA, BRAIMA BALDÉ. Afirmou que de acordo com instruções recebidas do seu Comandante, não vai haver mais guerra, e que as NT poderão circular à vontade, e as populações poderão deslocar-se das localidades para cultivarem as suas lavras. Neste mesmo dia fez uma reunião com alguns elementos da população a quem distribuiu galhardetes e emblemas do PAIGC, assim como o livro “HISTÓRIA DA GUINÉ e ILHAS DE CABO VERDE”.

- Na direcção do SALTINHO, foram ouvidas pelas 16h30 alguns rebentamentos. Posteriormente veio-se a saber que a Tabanca de MADINA tinha sido atacada pelo PAIGC. [Sublinhado meu].


JUN74/04 – (...)

- Realizou-se uma reunião deste Comando com o Comissário Político BRAIMA BALDÉ, em que o mesmo deu uma panorâmica da distribuição dos diferentes Comissários Políticos por algumas zonas do TO, assim como tinha sido incumbido de confirmar a continuação do cessar-fogo tácito e alertar a população civil para não provocar nem arranjar problemas com os militares. Mostrou-se absolutamente sincero e extraordinariamente seguro de que tudo se virá a processar com a independência da Guiné.


JUN74/05– Pelas 10h00 aproximou-se de A. FORMOSA, instalando-se a 100 metros do arame farpado, um bigrupo armado do PAIGC. Aproximaram-se do arame três elementos desse bigrupo, o Comandante HONÓRIO SILVA, e dois alferes. Imediatamente foram transportados ao Posto da Polícia de Informação Militar, onde posteriormente se reuniram com este Comando.

Durante a reunião os elementos do PAIGC declararam que vinham contactar com a tropa europeia, o que não foram autorizados e, além disso, apresentavam os cumprimentos do Comandante da Frente Sul. Após esta reunião, em que lhes foi dito que o seu procedimento não era correcto, pelo facto de se aproximarem de A. FORMOSA com um bigrupo armado, os mesmos retiraram novamente para KANSABEL.

(...)

JUN74/10– Em A. FORMOSA realizaram-se as comemorações do 10 de Junho, que constaram de uma formatura geral das forças disponíveis e sediadas em A. FORMOSA, e uma alocução sobre CAMÕES. Estiveram também presentes delegações das várias Companhias destacadas do Sector. Após esta cerimónia e, com a presença das Autoridades Militares, Administrativas, Tradicionais e muita população, procedeu-se à inauguração do Reordenamento de COLIBUIA constituído por 40 casas, uma mesquita e uma escola.


Das minhas memórias: 

10 de Junho de 1974 (segunda-feira): Dia Camões

Desta efeméride, celebrada pela última vez (e certamente pela primeira vez também) pelo meu Batalhão em Aldeia Formosa, mostro a seguir algumas fotografias assim como do Reordenamento de Colibuia, inaugurado no seguimento daquelas celebrações.

Foto 1: Aldeia Formosa, 10 de Junho de 1974. Chegada das autoridades locais à porta-de-armas do quartel, para assistirem à celebração do Dia de Camões.

Foto 2: Aldeia Formosa, 10 de Junho de 1974. O Major Dias Marques, 2.º Comandante do BCAÇ 4513, dá as boas vindas às autoridades locais.

Foto 3: Aldeia Formosa, 10 de Junho de 1974. Formatura e alocução alusiva ao Dia de Camões.

Foto 4: Aldeia Formosa, 10 de Junho de 1974. No final da cerimónia, momentos de descontracção com uma beldade local a apresentar cumprimentos ao Comando do Batalhão e outros oficiais. Da esquerda para a direita: Ten Toscano (salvo erro); Cap. Mil Luís Marcelino (de óculos); Cap. Mil Brás Dias; Ten Cor Carlos Ramalheira, Comandante do Batalhão; Major Dias Marques; Cap. Jorge Cerveira e um capitão que não recordo.

Foto 5: Aldeia Formosa, 10 de Junho de 1974. Da esquerda para a direita: Alf Mil Mota (3.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 – A. Formosa), com a sua sempre bem-disposta irreverência, - repare-se nas botas por engraxar; Cap. Mil Brás Dias (1.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 – Buba); Cap. Mil Luís Marcelino (CART 6250 – Mampatá); Cap. Mil Guerreiro Dias, já falecido, (3.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 – A. Formosa).

Foto 6: COLIBUIA, 10 de Junho de 1974. Inauguração do Reordenamento de Colibuia. Na imagem, um dignitário que não sei identificar, faz uma pose para o fotógrafo no decorrer de um diálogo com o Comandante do Batalhão, à esquerda do enquadramento.

Foto 7: COLIBUIA, 10 de Junho de 1974. Outras individualidades assistem ao diálogo com o Comandante do Batalhão.

Foto 8: COLIBUIA, 10 de Junho de 1974. À direita na fotografia, de óculos escuros, o Cap. Mil Vasco da Gama, Comandante dos Tigres de Cumbijã, CCAV 8351.

Foto 9: COLIBUIA, 10 de Junho de 1974. Corte da fotografia anterior

Foto 10: COLIBUIA, 10 de Junho de 1974. Animação musical após a cerimónia.

Foto 11: COLIBUIA, 10 de Junho de 1974. Animação musical após a cerimónia.

Foto 12: COLIBUIA, 10 de Junho de 1974. A imagem da simplicidade, humildade e desamparo: mãe e filha, duas belezas agora “reordenadas” em Colibuia. A criança põe a mão no ventre: será fome ou será dor? Se precisar, quem vai ser o “fermero” a acudir-lhe após o regresso das tropas a casa?

Foto 13: COLIBUIA, 10 de Junho de 1974. Aspecto parcial do reordenamento.

Foto 14: COLIBUIA, 10 de Junho de 1974. A escola recém-inaugurada.

Foto 15: COLIBUIA, 10 de Junho de 1974. Retrato de grupo que julgo ser do pessoal que construiu o reordenamento com o Comandante e 2.º Comandante do Batalhão ao centro.

Foto 16: COLIBUIA, 10 de Junho de 1974. Provavelmente já de saída, da esquerda para a direita: Cap. Mil Brás Dias, Cap. Mil Guerreiro Dias, Ten Toscano (creio), Cap. Mil Luís Marcelino e Alf Mil António Murta.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 5 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15582: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (33): De 14 a 31 de Maio de 1974

Guiné 63/74 - P15641: Por Graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves, d'Aquém e d'Além-mar em África, etc.: legislação régia (1603-1910) (5): crime & castigo, degredo para as praças de Cacheu e Bissau (1801), e para a Índia e Moçambique (1803)... E amnistia real a "todos os portugueses que se acharem presos, processados, desterrados, ou perseguidos por opiniões políticas", além de "todos os crimes de deserção simples, e agravadas, bem como todos os réus sentenciados por três anos a galés, degredo ou prisão dentro do reino ou fora dele" (Rio de Janeiro, 1826)

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Portugal > Assembleia da República > Legislação Régia > DECRETO, 09 DE JANEIRO DE 1801
Decreto mandando destinar para Cacheu, e Bissáo todos os Reos que se acharem incursos em degredo para Africa
› D. JOÃO, REGENTE DO REINO (1792-1816), Livro 1791-1801




Portugal > Assembleia da República > Legislação Régia > DECRETO, 17 DE OUTUBRO DE 1803
Decreto para se commutar a pena de certos Réos em degredo para a India , e Moçambique
› D. JOÃO, REGENTE DO REINO (1792-1816), Livro 1802-1810





Portugal > Assembleia da República > Legislação Régia > DECRETO, 27 DE ABRIL DE 1826
Decreto concedendo Amnistia a todos os que se acharem prezos, processados, desterrados, ou perseguidos por opiniões politicas até á data deste Decreto, perdoando todos os crimes de deserção simples, e aggravada assim como a todos os Réos sentenceados por tres annos a galés, degredo, ou prizão dentro, ou fora do Reino, e aquelles, que estiverem nestas circumstancias , e que para cumprirem suas Sentenças lhes faltarem tres annos, quaesquer que forem os seus crimes.
› D. PEDRO IV (1826), Livro 1826 - 2º Sem




O último retrato Dom Pedro I do Brasil (e  depois IV de Portugal) (Queluz, 1798 . Queluz, 1834), c. 1830, da autoria do  pintor Simplício  Rodrigues de Sá (São Nicolau, Cabo Verde, 1785-Rio de Janeiro, 1839). O original está no Museu Imperial de Petrópolis, no Rio de Janeiro. Imagem do domínio público. Cortesia de Wikimedia Commons.

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Nota do editor:

Último poste da série > 16 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15374: Por Graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves, d'Aquém e d'Além-mar em África, etc.: legislação régia (1603-1910) (4): aberto um crédito especial de 250 contos, em 27/2/1908 (escassas semanas depois do regicídio), para fazer face às despesaas com operações militares na "província da Guiné", ao tempo do governador Oliveira Muzanty, 1º tenente da armada

Guiné 63/74 - P15642: Agenda cultural (458): Conferência, sábado, 23, às 16h, na Universidade Lusófona, Campo Grande, em Lisboa, sob o tema "Quem mandou matar Amílcar Cabral?: Da investigação à atualidade dos factos". Oradores: José Pedro Castanheira, jornalista; Julião de Sousa, historiador; José Luís Hoppfer de Almada, analista político; moderação: Mário Beja Santos; organização: Embaixada da República da Guiné-Bissau; apoio: RDP África

Guiné 63/74 - P15643: Inquérito 'on line' (32): "A tropa fez de mim um homem"?... A tropa acrescentou a decisão e a determinação na acção, atitudes muitas vezes necessárias para o vencimento de inércias, e o alcance de objectivos (José Manuel Matos Dinis, "homem grande" da Magnífica Tabanca da Linha)

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A Tropa Fez de Mim Um Homem ? (*)

 por José Manuel Matos Dinis


[ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71; um dos "homens grandes" da Magnífica Tabanca da Linha que tem amanhã mais um dos convívios regulares, desta vez em Carcavelos]


Mais um repto dos nossos editores. De facto, a tropa mexeu muito connosco, com as gerações da guerra de África. A guerra que a certa altura das nossas vidas já se revelava um obstáculo inevitável, e que cada um encarava de forma particular, com reserva, ou com a descontracção possível, já que a todos os ajuizados havia de causar alguma ponderação, quiçá preocupação.

Com excepção da morte da minha mãe aos 8 anos, situação que o meu pai compensou o melhor possível, fui um puto muito feliz, e tive a sorte de ter sido criado num local ocupado por muitas famílias da mesma geração, de portas abertas para os amigos dos filhos, pelo que os putos acompanhavam-se com grande alegria, imaginação, rebeldia e solidariedade. Era a malta do bairro, que alinhava em alcateia, que jogava futebol, ou guerreava os putos de outros azimutes de Cascais. 

Na praia da Duquesa tínhamos os nossos lugares cativos. E as nossas amizades alargavam-se com a entrada para o secundário, onde passámos a conviver com a juventude estudantil do concelho.
Claro que vivi em casa do meu pai até frequentar os estabelecimentos militares do Exército Português. 

A certa altura comecei a imaginar que em África teria grandes possibilidades de levar um tiro na córnea, e quando chegava a casa com negativas, desculpava-me com essa possibilidade, do que resultava a seguinte questão: estudar para quê, se estava destinado a uma medalha a título póstumo. E o bom coração do meu pai cedia. Passei por baixo durante alguns anos.

Quando acabei o 5.º ano, já contava 18 de idade. O meu pai colocou-me perante uma escolha. Segundo ele, eu não dava para tirar um curso superior, logo, não valia a pena continuar a arrastar o corpinho nos corredores do colégio, e propôs-me tirar um curso técnico que me habilitasse para a vida. Um familiar tinha outra proposta para mim, e assim inscrevi-me na escola de hotelaria de Lisboa, enquanto de tarde estava autorizado a estagiar num hotel. Maravilha! 

As aulas eram bacanas, com um grupo de raparigas e rapazes bastante animado. De tarde, quando sentia necessidade de dinheiro para a estroina, duas a três vezes semanais, ia "trabalhar" na recepção (outro lugar que rapidamente degenerou num ambiente de reguilice), e acompanhava aos quartos os clientes recém-chegados com ar de deixar uma nota na mão. As moedas ficavam para um "groom" que não perdia pitada quando me via a alinhar. 

Foi um tempo também magnífico, divertido, e com dinheiro no bolso, ao contrário da minha vida anterior, que até me envergonhava de pedir 5 c'roas ao meu pai. Deixei de recorrer ao argumento da tropa, porque deixei de apresentar negativas.

Em Outubro de 68 fui diagnosticado de pleuresia, e o saudoso Canas da Mota recomendou uma mesinha e, sobretudo, muito descanso e boa alimentação, que tinha doença para uns 2 ou 3 meses. Foi o que fiz. Passadas duas semanas pedi-lhe licença para sair. Confirmou que tinha acontecido um milagre, e deixou-me sair por muito pouco tempo diariamente. Não o contrariei. Saía à noite. Já estava com o destino traçado para as Caldas. 

Numa dessas noites no bar do Chico (um primeiro andar fronteiro ao Largo Camões, onde morou o Américo Tomás), com um prodigioso amigo fui co-inventor de um jogo de setas denominado "Angola é Nossa". Consistia no uso das setas lançadas sobre um alvo circular, com espaços alternados de branco e preto. O melhor resultado de uns quantos jogos valia uma cervejola, um Porto, um Drambuie, um Constantino, qualquer coisa. Sabíamos quem ganhava conforme os pontos de cada espetadela no alvo. Acertando numa faixa preta, conquistava-se um ponto; acertando numa branca, descontavam-se 2 pontos. Estão a ver como comecei a exercitar-me com denodo, e a dominar a geometria no espaço, numa precoce preparação para a maldita guerra.

Em Dezembro apresentei-me para trabalhar, pedi o salário de um conto, e um horário com cartão de ponto. Foi um mês porreiro, pois a minha actividade era muito agradável, e punha-me em contacto com muitos ilustres e interessantes personagens. Segundo um dos ascensoristas, a Mylène Demongeot dava-me bola, talvez porque me fartei de esperar por ela, que deva entrevista à Maria Leonor; Jorge Amado foi de uma grande simpatia numa breve conversa que mantivemos; o capitão Warton, um veterano americano da 2.ª GG, que fazia transportes para o Biafra, convidou-me para seu representante em África, que recusei liminarmente; enfim, muitas outras personagens da política e do empresariado nacional davam alguma réplica ao meu atrevimento. Mas a Beatriz Costa era a mais simpática e gaiata, sempre a irradiar alegria, foi a primeira pessoa a falar-me das "delicias" de Torre de Molinos.

No final de Dezembro o director veio ter comigo e perguntou-me se queria receber a Gigliola Cinquetti no dia 9 de Janeiro. Respondi-lhe que não, que nesse dia teria que me apresentar nas Caldas para iniciar o serviço militar. Foi assim que se soube da minha incorporação.

Estava de chuva, e a malta em fila para recebermos fardamentos e armas, com os sacos civis ao lado de cada um. Um furriel de Operações Especiais, acompanhado de 4 ou 5 mamantes, fazia revista e sacava dos sacos as melhores iguarias. Eu tinha o saco cheio delas, e apresentava-me com os meus 70 kgs e 1,78 mts. Ao meu lado, o Zé Tito com o corpo ginasticado e os ombros largos da formação no INEF aguardávamos em cavaqueira, achando graça a tudo quanto víamos. Quando o furriel se me dirigiu, respondi-lhe que levava bolos de bacalhau, pastéis de carne, presunto, paio, salame de chocolate, e uma garrafa de qualquer coisa, mas que era tudo para mim, que era de bom alimento. Surpresa geral: o furriel declarou ao séquito que já tinham o suficiente, e eu granjeei alguma admiração. 

Na primeira semana o tempo persistia chuvoso, e os pelotões recolhiam-se nas salas de aulas regimentais, uma espécie de regresso ao liceu. Da última cadeira de uma fila, levantei o braço. O tenente Clemente ordenou: 
- .Diga lá, ó nosso instruendo! 
- Meu tenente, nós estamos aqui para ganharmos preparação para a guerra nos climas inóspitos, e agora porque está a chover, refugiamo-nos como uma turma de meninas.

Não cheguei a dizer mais nada, pois aquele tenente exclamou surpreendido: hhhaaannn!? E logo acrescentou: 
- Está tudo a formar lá fora!

E acompanhou-nos numa sucessão de ordens que incluíram rastejar na lama. Quando o pelotão chegou à caserna, outros elementos de outros pelotões comentavam que o tenente era um... (nome feio)... Não, (nome feio) é o Dinis, respondiam os meus camaradas. Tal episódio constituiu uma espécie de pacto entre nós, o tenente, e os cabos milicianos, onde o Mourinho pontificava. 

Depois de várias estórias fui colocado em Tavira, e também o Zé Tito, meu amigo da juventude, com quem fiz a tropa do primeiro ao último dia. E foram muitas as aventuras também em Tavira, onde só fomos penalizados durante um fim-de-semana. Custou-me muito. Nesse dia de manhã, enquanto a malta iniciava as tarefas (ida ao mercado e padaria, compra e preparação do almoço), só me levantei para comer, se não erro, uma posta de pescada cosida com batatas e legumes. Depois, os sacanas lá de casa abalaram para o mundo livre e deixaram-me a loiça para lavar. Velhacos!

Férias! E o curso de "mines and bloody tracks". Éramos 5 que constituíamos um grupo reguila. Na primeira noite, já bem avinhados, seriam umas duas da manhã, quando arribámos ao Casal do Pote. No gabinete do oficial de dia, um aspirante porreirinho desfez-se em gentilezas na recepção. Sacou de uma garrafa de whisky e encheu os cálices. Cada um tinha uma estória para desfiar, enquanto outro voltava a atestar. Quando a garrafa vazou, bazámos para dormir. Na caserna, a luz vermelha de presença inspirou uma sessão de streep, pois o pessoal não ia dormir com fardas. Alinhámos os caixotes em modo de desfile de modas, e o Ruas, um jeitoso de quase 2 metros oriundo da PM, começou a despir-se, enquanto a malta improvisava sons sobre a "pantera cor-de-rosa", uma música que se adaptou muitíssimo bem. Os que acordavam mal-dispostos levavam um aviso para não interromperem a "performance", e com isso ganhámos o nosso espaço e individualidade. Durante a primeira aula, o alferes-engenheiro ensinou-me o essencial: nunca se armem em parvos. 

Férias novamente, a que se seguiu uma viajem turística para o Funchal, a bordo do Funchal. Por altura da passagem da barra o Zé Tito fez-me uma declaração: estou quase teso; e eu respondi-lhe nos mesmos termos. O que fazer? Vamos p'rá batota. Por junto tínhamos cerca de um conto e trezentos. O Zé pediu para ficar com os 300 escudos e deu-me o conto de reis para o póquer. Rondámos as mesas para estudos dos potenciais adversários, e pedi licença na mesa onde jogavam uma família de três e um vendedor de artigos fotográficos, que me lembre. Estudei-os muito bem, até que o Zé Tito se aproximou e questionou; como vai nisso? Estou a ficar teso. Toma, respondeu, ganhámos nos jogos de tombadilho, deu-me agora o comissário. Era outro conto de reis, Em cerca de meia hora ganhei 6 contos. Era fim-de-semana, e de táxi fomos para o Hotel. Na 2.ª feira batemos a pala ao nosso Comandante, e pedimos um abono para nos instalarmos, porque já não tínhamos dinheiro

A estadia na Madeira pode merecer um episódio autónomo. Quero no entanto referir, que até esta altura nunca me escusei ao que fosse, de bom e de mau, embora considere que tenha vivido muito feliz, coisa que o serviço militar só ocasionalmente interrompeu. Nunca me fui abaixo com problemas, e adoptei a divisa de que o que não tem solução (para mim) solucionado está. 

Até essa idade também nunca deixei de encarar os problemas impossíveis de não enfrentar, e com maior ou menor sucesso consegui ultrapassá-los. Também concluí desde novo que a união faz a força, e sempre me preocupei em valorizar a solidariedade e o espírito de grupo. Sobre os princípios gerais de educação consignados nos deveres gerais de respeito, desde muito cedo que mos transmitiram, e de um modo geral estive atento a eles. Mas a tropa acrescentou a decisão e determinação na acção, atitudes muitas vezes necessárias para o vencimento de inercias, e o alcance de objectivos. Só a partir deste período é que fui confrontando com verdadeiras hipocrisias... e comecei a engolir alguns sapos. Muitas vezes por falta de solidariedade, causada pelo medo que impende sobre subordinados, conforme mecanismos psicológicos e sociais que limitam a liberdade de espírito e o sentido crítico, atitudes fundamentais para se atingir o bem comum.

José Manuel Matos Dinis
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Guiné 63/74 - P15644: Os nossos seres, saberes e lazeres (136): O ventre de Tomar (1) (Mário Beja Santos)

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1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Novembro de 2015:

Queridos Amigos,
Uma coisa é o comprazimento estético, olhar e ver com agrado, sentir intimidade, conivência com uma determinada peça do património, na sua aceção mais larga, sem quaisquer obrigações com moradores ou quem ali labuta, registar a imagem; outra coisa é estender o diálogo com quem ocupa este ou aquele espaço ou lugar, pedir para intervir, dar explicações, abrir portas a outra vertente da compreensão. Assim procurei proceder, entrando para pedir informações, simulando comprar; lá dentro, autorizado, zás, aquilo que olhei e passou a visto e passa agora ao público, é um mundo de proscénio e bastidores que constitui a fruição a que vos convido.

Um abraço do
Mário


O ventre de Tomar (1)

Beja Santos

Os lugares, os espaços, têm uma pele que é lida pelos nossos sentidos: a harmonia das formas, a riqueza dos materiais, a dimensão estética que pode ser ditada pela graciosidade das portas, das janelas, das varandas, o que é concêntrico ou retilíneo, azulejos, envidraçados, rebocos, por exemplo. Para além da pele, há um organismo interior, seja loja, residência, serviço público. Calcorreando Tomar, vou ajuntado elementos sobre o seu ventre (não confundir com o romance de Zola, “O ventre de Paris”, o grande escritor aqui abalançou-se na narrativa de dramas humanos, o meu ventre de Tomar são lojas que ressoam a um passado distante ou menos remoto, desta vez andei por estabelecimentos, pedi licença para fazer alguns disparos, aqui dou satisfação a um roteiro de viagem. E estou a juntar elementos sobre a pele, interessa-me muito essa Tomar inusitada, os tais lugares e espaços que estavam destinados a funcionar como fábricas, solares, moradas de família, estão fora dos roteiros ou são escombros, testemunhos silenciosos desse progresso galopante que deixa para trás vestígios do nosso impúdico esbanjamento. E vamos às imagens de um ventre que me é apetecível.



É um espaço amoroso, trata-se de um equipamento que provocou frémito na época, ainda bem que não o estragaram, se bem que a atividade comercial não seja a mesma. Aquela máquina registadora deve ter calculado muita compra, tilintou muitas vezes. Por esta porta é bem possível que tenha entrado e saído muita mercadoria, gente a fazer provas de roupa, dá para especular tudo o que se vendia a dinheiro. É impossível passar pela Corredoura e não embasbacar com esta nesga do passado, e o esforço adaptativa do presente, sem estragar o que merece ser preservado.



Entrei aqui e dei como pretexto que vinha à procura de um tecido para uma cortina e que precisava de algumas linhas. A proprietária mostrou estranheza quando lhe disse que gostava de todas aquelas coisas intensas nos fechos, novelos e tecidos para múltiplas aplicações e pedia licença para as fixar. “Ó senhor, esteja à vontade, tire as fotografias que quiser”. Tirei várias, ficam só estas duas, têm a paleta de cores que consolam todos os humanos, falam do engenho, da aplicação das nossas mãos, da vida que damos às máquinas de costura, ao conforto que depositamos em reposteiros e coisas parecidas. “Volte quando quiser”, e agradeci. É claro que hei de voltar.


Atravessei os Estaus e aqui dei como pretexto que andava à procura de um desenho ou gravura para meter uma moldura. O que eu meti foi conversa neste estabelecimento de curiosidades e velharias. Segundo o anúncio da porta, o proprietário diz o preço e o presumível cliente pode contrapor, ou seja entre a venda e a compra nada é definitivo até haver concordância a dois. É claro que também hei de voltar aqui, gosto imenso do prato que se reflete no espelho e gosto de conversar com gente que não está ali só para vender.



A senhora que me recebeu é açoriana de gema, enganei-me na ilha, a senhora vem das Flores, há mesmo quem diga que é a mais bela ilha do arquipélago, falámos de cascatas e daquele pedregulho que assinala o fim da Europa insular. Apanhei este cantinho multicolorido, imaginei a roupinha quente que aqueles novelos irão dar à luz. E segui caminho.


Aqui restaura-se mas também se faz de raiz, camas, móveis, armários, cadeiras, tudo o que é concebível em artes de marcenaria. Deram-me licença para ali andar a cirandar e fiquei embasbacado com esta linda solução dentro de um edifício muito antigo, aproveitou-se com engenho e arte aquele belo nicho para arrumar disciplinadamente as ferramentas do ofício. E meditei na grande distância que vai entre ver na superfície, ficar com a primeira impressão que os olhos registam e olhar onde as coisas se distinguem e passam a ser imagens nossas mesmo que muitos outros ali se tenham quedado a dizer: olha, mas que grande surpresa! E ficamos por aqui, temos que ter paciência com este ventre inesgotável que Tomar tem para nos oferecer.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 13 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15615: Os nossos seres, saberes e lazeres (135): Horácio Dantas, artesão oleiro de Barcelos, autor da réplica do Farol de Leça, oferecida aos presentes no Convívio dos Panteras da CART 1742, levado a efeito em Maio de 2014, em Leça da Palmeira (Abel Santos)

Guiné 63/74 - P15645: Parabéns a você (1021): João Graça, Médico e músico, Amigo Grã-Tabanqueiro

Guiné 63/74 - P15646: Álbum fotográfico de Armando Costa, ex-fur mil mec auto, CCAV 3366 / BCAÇ 3846 (Susana, 1971/73): Parte III: praia de Varela, junho de 1971

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Guiné > Região do Cacheu > Susana > Praia de Varela > Junho de 1971

Fotos: © Armando Costa (2016). Todos os direitos reservados.


1. Terceira parte da publicação de fotos do álbum do Armando Costa, ex-fur mil mec auto, CCAV 3366 / BCAV 3846, Susana, 1971/73) (*) [, foto atual à direita].

A CCAV 3366.depois de ter chegado a Bissau em 9 de março de 1971,  fez no Cumeré a IAO (Instrução de Aperfeiçoamento Operacional),  e em abril deve ter seguido para o seu destino, Susana, no coração do chão felupe. As fotos acima, tiradas na famosa praia de Varela, datam de junho de 1971.
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Guiné 63/74 - P15647: Efemérides (208): Lembrando José Botelho de CARVALHO ARAÚJO que faleceu a 14 de Outubro de 1918 a bordo do Caça-Minas NRP Augusto de Castilho afundado pelo submarino alemão U-139 (António Tavares)

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Monumento a CARVALHO ARAÚJO em Vila Real
Com a devida vénia a minube


Combate entre o Navio Patrulha "Augusto Castilho" e o submarino alemão U-139 em 1918 durante a I Guerra Mundial.
Aguarela de Artur Guimarães
Museu Marítimo de Ílhavo.


1. Mensagem do nosso camarada António Tavares (ex-Fur Mil da CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72), datada de 10 de Janeiro de 2016

Camarigos,
Ao ver esta excelente aguarela de Artur Guimarães recordei José Botelho de CARVALHO ARAÚJO que faleceu a 14 de Outubro de 1918 a bordo do Caça-Minas NRP Augusto de Castilho afundado pelo submarino alemão U-139 quando escoltava o vapor São Miguel.

O Comandante CARVALHO ARAÚJO interpôs o seu navio entre o submarino e o vapor São Miguel, no mar dos Açores, salvando os 206 passageiros que seguiam a bordo deste.
Estávamos na 1.ª Guerra Mundial iniciada a 28 de Julho de 1914 e terminada em 11 de Novembro de 1918.
A morte do Comandante CARVALHO ARAÚJO ocorreu 27 dias antes do fim da I Grande Guerra.
A Marinha Portuguesa de Guerra e a Mercante glorificou-o perpetuando o seu nome em diversas embarcações.


Características oficiais do Navio T/T CARVALHO ARAÚJO, que o BCAÇ 2912 conheceu em 24 de Abril de 1970:

Tipo... Navio misto de 2 hélices
Construtor... Cantiere Navale Trestino
Local construção... Monfalcone - Itália
Ano de construção... 1929
Ano de abate... 1973
Registo... Capitania do Porto de Lisboa, em 21 de Abril de 1930, com o número 420 F
Sinal de código... C S B U
Comprimento fora a fora... 112,82 m
Boca máxima... 15,30 m
Calado à proa... 6,69 m
Calado à popa... 6,99 m
Arqueação bruta ... 4.559,55 Toneladas
Arqueação Líquida... 2.694,45 Toneladas
Capacidade... 4.292 m3
Porte bruto ... 4.724 Toneladas.
Aparelho propulsor... Duas máquinas de triplice expansão, de 3 cilindros cada, construídas em 1929 por John G. Kincaid & Ca Lda. em Greenock - Escócia.
Quatro caldeiras, com 3 fornalhas cada, para a pressão de 14,7 K/cm2.
Potência... 4.430 CV
Velocidade máxima ... 14,0 nós
Velocidade normal ... 12,0 nós
Passageiros... Alojamentos para 10 em classe de luxo, 68 em primeira classe, 78 em segunda, 98 em terceira e 100 em cobertas, no total de 354 passageiros.
Tripulantes... 98
Armador... Empresa Insulana de Navegação - Lisboa

Com certeza que os milhares de militares que navegaram nele desde 1963 discordam dos números dos passageiros acima. Sentiram na prática o excesso de lotação.


O “EXCELENTE E VALOROSO” Batalhão de Caçadores 2912 desembarcou no cais de Pindjiguiti, Bissau, em 01 de Maio de 1970, com cerca de 500 militares.

O primeiro dia da guerra vivida em Galomaro, Cancolim, Dulombi e Saltinho, matas do Leste do TO do Comando Territorial Independente da Guiné.

António Tavares
Foz do Douro, Domingo 10 de Janeiro de 2016
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15541: Efemérides (207): Ataque ao Cachil na Consoada de 1965 (João Sacôto, ex-Alf Mil da CCaç 617/BCAÇ 619)

Guiné 63/74 - P15648: Memórias da CCAÇ 1546 (1967) - Reportagens da Época (Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil) (13): Dias 13 e 14 de Dezembro de 1967

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1. Mensagem do nosso camarada Domingos Gonçalves, (ex-Alf Mil da CCAÇ 1546/BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68) com data de 11 de Janeiro de 2016:

Prezado Luís Graça:
Tomo a liberdade de remeter mais um pequeno texto que poderá ser publicado.
Para todos, continuação de feliz ano de 2016.

Com um abraço amigo,
Domingos Gonçalves


MEMÓRIAS DA CCAÇ 1546 (1967)

REPORTAGENS DA ÉPOCA - 13



Dia 13/12/1967

Às oito horas saí com duas secções e com os caçadores nativos para verificar a causa do rebentamento das armadilhas.
Afinal, tinham sido accionadas por bichos...
Rearmadilhei, sensivelmente nos mesmos locais, as duas estradas.

O destacamento já não recebe correio da metrópole há três semanas...
O envio das cartas ainda se consegue fazer, de quando em quando, através dos helicópteros que levam para Bissau os doentes, ou os feridos. Infelizmente estamos também a ficar sem aerogramas e selos.

Ontem expedi uma carta com duas moedas de 2$50 coladas ao envelope com fita adesiva...
Espero que a façam seguir...
À noite ouvia-se perfeitamente o batuque na tabanca senegalesa de Maria.
É um pouco de festa que nos chega de longe.

Do nosso lado os tempos já não permitem festas...
É uma tristeza...
Milagrosamente hoje conseguiu-se uma vaca para matar.
É a primeira vez que no rancho geral se vai comer carne em Guidage, desde que estou aqui em substituição do colega doente.

Foi uma aventura...
Durante a noite consegui que um nativo se deslocasse ao Senegal e roubasse o bicho...
O procedimento não é muito ético...
Mas a sobrevivência deve estar acima da moral caseira...
Pelas dez horas da noite o animal entrava, sem pagar qualquer imposto alfandegário, nos meus domínios.

Enquanto o roubo não der problemas...
Lá terá que ser...
É mesmo para continuar.

De quando em quando, a carne é um bem demasiado precioso para que se possa dela prescindir.
E como do outro lado da fronteira há muito gado, não é por causa de algumas vacas que a economia do Senegal se vai ressentir...
A economia dos donos das vacas, essa, enfim, poderá ficar um pouco tremida...


Dia 14 

Pela manhã a população do Senegal veio queixar-se dos turras, dizendo que eles, de noite, tinham roubado uma vaca...
Desta vez, eles ficaram com a fama...
E nós com o proveito...
Tenho que começar, também, a ser guerrilheiro...
A gente faz o mal...
A culpa cai para o lado dos outros...
Assim é que é bom...
E hoje não aconteceu mais nada de especial...
Nem tiros houve, para quebrar esta monotonia...
Chegaram a Ierã cerca de 100 turras vindos da zona do Oio.

Têm como missão carregar material bélico, alimentação e roupas para a referida área.
Conseguiram trazer do Oio 30 vacas para vender à população do Senegal.
O dinheiro conseguido com a venda dos animais destina-se à compra de alimentos.

O grupo que recentemente atacou Bigene e tentou atacar este meu reino continua em Ierã.
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Nota do editor

Último poste da série de 1 de julho de 2015 Guiné 63/74 - P14820: Memórias da CCAÇ 1546 (1967) - Reportagens da Época (Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil) (12): Coluna a Farim

Guiné 63/74 - P15649: Álbum fotográfico de João Graça (12): o melhor da Guiné-Bissau são as crianças

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Guiné-Bissau > 6 a 19 de dezembro de 2009 >  Uma amostra de crianças fotografadas por João Graça... É uma forma de retribuir os votos de parabéns que os amigos e camaradas da Guiné lhe mandaram hoje, dia do seu 32º aniversário... que ele passou em Londres.

Fotos: © João Graça (2009). Todos os direitos reservados [Edição e legenda: LG]


1. Seleção de fotos do álbum de João Graça, médico e músico, que esteve na Guiné-Bissau, entre 6 a 19 de Dezembro de 2009, numa jornada mix de voluntariado e de férias. Ofereceu os cinco primeiros dias (de 6 a 10 de Dezembro de 2009), para trabalhar como médico no Centro de Saúde Materno-Infantil de Iemberém, no Cantanhez, com apoio (logístico) da AD - Acção para o Desenvolvimento. Para além de Bissau e do Cantanhez, ele esteve nos Bijagós, na zona leste (Bambadinca, Bafatá, Tabatô e Gabu) e na região do Cacheu (São Domingos).

Membro da nossa Tabanca Grande, o João Graça é hoje especialista em psiquiatria e faz parte do grupo musical Melech Mechaya. Na primeira foto de cima vemos o nosso saudoso amigo Pepito (1949-2014), com a sua neta, na sua casa em Bissau.

Guiné 63/74 - P15650: Parabéns a você (1022): Rogério Freire, ex-Alf Mil Art MA da CART 1525 (Guiné, 1966/67) e Virgínio Briote. ex-Alf Mil Comando, CMDT do Grupo Os Diabólicos (Guiné, 1965/67)

Guiné 63/74 - P15651: Lembrete (16): É já amanhã, dia 23, sábado, às 16h30, em Lisboa, no "Chiado Clube Literário e Bar", que o nossso camarada Juvenal Amado vai lançar o seu livro!... Diz-nos ele: ""Camaradas, não sei se a tropa fez de mim um homem, mas decerto fez-me arranjar amigos como vocês. Apareçam!"

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É já amanhã, sábado, dia 23 de janeiro de 2016, que vai ser lançado o livro do nosso camarada Juvenal [Sacadura] Amado: "A tropa vai fazer de ti um homem"(Lisboa, Chiado Editira, 2015, 308 pp. | Preço de capa (papel): 15 €; ebook (edição digital): 3 €. (*)

A Chiado Editora, representada em Portugal, Brasil e Angola, é "a maior editora do mundo em língua portuguesa", com "mais de 1000 novos títulos por ano", ou sejam, 3 por dia...



1. Este é um lembrete (**) para todos aqueles nossos leitores, que podem e querem ir a esta sessão, e muito em particular os nossos amigos e camaradas da Guiné. Apareçam, estão todos convidados!.

É, além disso,  um honra termos mais um camarada (e já são muitos!) com um livro, publicado, impresso em papel, com a sua história de vida e as suas memórias.

É um livro escrito com ternura e sensibilidade poética, mas também muita garra e.  autenticidade humana. São mais de 300 páginas e mais de 80 pequenas histórias que, interligadas, constituem o percurso de um homem e de uma geração de portugueses que cedo conheceram a "picada da vida" (a infância dura, a escola autoritária, a usura física e mental do trabalho nos cmapos, nas fábricas, nos escritórios,  a tropa, a guerra, o sangue, o suor, as lágrimas, mas também as alegrias do amor, da amizade, da camaradagem)...

O livro tem uma dedicatória: "O meu amigo João Caramba que em 7 de março de 2013 se fez memória",

O autor descobriu o gosto (e a paixão) pela escrita no nosso blogue. É um colaborador ativo, atento e leal, contando já com cerca de 190 referências. Na dedicatória autografada que nos mandou, o Juvenal teve a gentileza de escrever o seguinte: "Luís, não sei se a tropa fez de mim um  homem, mas decerto fez-me arranjar amigos como tu"...

E nas páginas 9/10, ele acrescenta: "Na verdade, não escrevi para mim mas para nós (...)" E acrescentaria, "por nós, por muitos de nós!"... Enfim, deixa "um obrigado especial ao Luís Graça, pelo que representa para mim e para muitos dos ex-combatentes da Guiné, e ao Carlos Vinhal, que me apoiou e incentivou a continuar a escrever, e aos camaradas, de várias idades, latitudes, tendências, que me ajudaram  a chegar aqui e publicar estas histórias" (...).

Parabéns, camarada!... Desejo-te uma belíssima e concorrida sessão de lançamento do teu livro, porque tu mereces, nós merecemos!... (LG)






Como chegar aoChiado Clube Literário e Bar, na  Galeria Comercial Tivoli Fórum, Av Liberdade, 180 D, Piso 1, Loja F, em Lisboa
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 12 de janeiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15608: Agenda cultural (455): Sessão de lançamento do livro do Juvenal Amado, "A tropa vai fazer de ti um homem": Lisboa, Chiado Clube Literário & Bar, Av da Liberdade, sábado, 23 de janeiro, 16h30, com a presença em força da malta tabanqueira

(**) Último poste da série > 9 de dezembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15467: Lembrete (15): Lançamento do livro "História(s) da Guiné Portuguesa", da autoria de Mário Beja Santos, com apresentação do Prof. Eduardo Costa Dias e Dr. António Duarte Silva, amanhã dia 10 de Dezembro, 5.ª feira, pelas 18 horas, no Palácio Conde de Penafiel, Rua de S. Mamede ao Caldas, n.º 21 - Lisboa

Guiné 63/74 - P15652: Notas de leitura (799): “La Découverte de L'Áfrique", por Catherine Coquery (2) (Mário Beja Santos)

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1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Abril de 2015:

Queridos amigos,
Trata-se de uma obra de divulgação sobre África: um continente desconhecido durante longos séculos, a despeito dos seus impérios; o continente passa a ser conhecido graças aos geógrafos árabes, o mundo islâmico estava em marcha, África era mais que os berberes, o ouro do Sudão, o glorioso Egipto e os cereais da Líbia; com o projeto Henriquino, a África tropical atlântica é alvo de narrativas que ainda hoje merecem a nossa atenção, pela riqueza do pormenor.
E assim chegamos aos contactos dos portugueses com o Benim, relatos que entraram na literatura e lá permanecem.
Este livrinho apareceu-me numa ofensiva numa livraria de obras em segunda mão, foi bafejado pela sorte, escrito em 1965 ainda hoje se lê com exaltado prazer.

Um abraço do
Mário


À descoberta de África, por Catherine Coquery (2)

Beja Santos

Os europeus já tinham afrontado o oceano Atlântico antes de o empreendimento henriquino em direção à costa de África. Conheciam desde a Antiguidade a rota do Norte na mira do estanho da Cornualha, e faziam a cabotagem em direção às cidades flamengas onde emergia o capitalismo. Em contrapartida, no Sul, e ao largo da costa marroquina, as tentativas foram raras e mal sucedidas: os irmãos Vivaldi, de Génova, partiram em 1291 e sonhavam alcançar o Rio de Ouro, nunca regressaram. Navegava-se, é certo, por todo o Mediterrânio, queria-se atingir o Oriente, mais do que o ouro do Sudão, cobiçavam-se as sedas, as pedras preciosas e as especiarias. O declínio do tráfico mediterrânico é também devido à extrema agressividade dos sultões Mamalucos que fizeram frente ao comércio veneziano, genovês e pisano. Enquanto se sonha com novas cruzadas, começa a circular a notícia do reino do Prestes João, um reino grandioso e cristão no coração do continente negro.

É neste contexto que Catherine Coquery questiona como é que Portugal, com os seus meios limitados e uma frota reduzida foi o primeiro a abrir o caminho para contornar o litoral africano. Vê-se que leu cuidadosamente Vitorino Magalhães Godinho. O país escapara às querelas e devastações da Guerra dos Cem Anos; ganhara identidade e tinha as suas fronteiras definidas; e havia conhecimento das expetativas europeias em alargar as áreas comerciais. Com a dinastia de Avis, o país perdera a dimensão da feudalidade, parecia um país novo, pouco afetado pela Peste Negra. Uma nova aristocracia mostrava-se impaciente por atingir o Norte de África, por desempenhar um papel relevante nas transações financeiras entre a Europa e o Oriente, dispunha de marinheiros dinâmicos, estava na vanguarda do conhecimento científico e cartográfico, graças aos árabes, aos marinheiros genoveses e catalães e aos sábios cartógrafos judeus de Maiorca, conhecia a bússola, os portulanos e fazia-se transportar num barco flexível, apropriado para navegar longe da costa e assim enfrentar os ventos alísios. A autora duvida da exclusividade do projeto henriquino, considera que esta expansão não foi obra de um só vulto mas de um grupo social e de uma época. Os portugueses revelaram-se empíricos e sistemáticos.

Entrando nos textos, a autora apresenta-nos Gomes Eanes de Azurara e a sua Crónica da Guiné, transcreve as cinco razões que incitaram o Infante D. Henrique a procurar descobrir as costas da Guiné, e relata os terrores medievais. A fronteira meridional do mundo conhecido ficava a Sul de Marrocos, ao tempo confundia-se o Cabo Bojador com o Cabo Juby, situado 150 quilómetros mais a Norte. A passagem do Cabo Bojador por Gil Eanes em 1434 foi um acontecimento capital que acelerou os descobrimentos. Pergunta-se por que é que os navios temiam este Cabo Bojador. Havia uma crença muito antiga em que quem afrontasse estas paragens corria risco de vida, aventurar-se a esta viagem era o mesmo que um suicídio. E assim se passaram 12 anos até que se dobrou o Cabo. A partir de 1434, tudo parecia mais fácil. Azurara descreve o Infante como um homem de grande autoridade, admoestava sem rispidez, exigia permanentemente aos seus colaboradores que trouxessem indícios de terra. Por exemplo, Gil Eanes não conseguiu trazer gente mas trouxe sinais da vegetação.

Dobrado o Cabo, as expedições avançaram ao longo de costas desertas onde viviam tribos nómadas até chegar à terra dos negros. Em 1445, atingiu-se a desembocadura do rio Senegal. E a autora recorre ao relato de Cadamosto, um veneziano ao serviço do rei de Portugal, ficámos a dever-lhe descrições pitorescas sobre o rio, o sistema tribal do rei de Sénega (Senegal), o fausto da corte, a poligamia, a presença do Islão e o animismo na Gâmbia, as guerras entre estes diferentes seres, é minucioso também na descrição dos costumes, no tipo de agricultura praticada, na natureza dos mercados e como os portugueses foram bem acolhidos, pondo saliva na pele dos brancos, encantados com a novidade da cor. A viagem de Cadamosto incluiu a Gâmbia e a costa da Mina, é um relato delicioso.

Os primeiros descobridores portugueses não se aventuravam para lá da costa, Azurara descreve a belicosidade dos nativos que vinham com as suas embarcações e setas envenenadas. A grande exceção foi o Benim, na atual Nigéria, um dos grandes centros da civilização das cidades Yoruba, cuja importância se extinguiu no século XVIII. O Benim estava intimamente ligado a Ifé, o importante centro de arte africano da Idade Média, com grandes artistas na estatuária, na cerâmica, no latão e no marfim. No Esmeraldo, Duarte Pacheco Pereira faz uma descrição magnificente do Benim, do Palácio Real, das muralhas e das riquezas, como o caso da pimenta negra.

Irão prosseguir os relatos sobre a Etiópia do Prestes João e a chegada ao Congo. Mas há uma referência espantosa que Catherine Coquery faz às desventuras de um mercador flamengo nas costas da Guiné, no século XV.
A primeira feitoria de escravos foi estabelecida em 1443, na baía de Arguim. No século XVI este comércio desenvolveu-se com o transporte de escravos para as ilhas da América; no século XV foram escravos para a Madeira, para as plantações de cana-de-açúcar. Foi um período de economia de troca, os mercadores levavam os produtos desejados pelos reis e traziam escravos.
Os portugueses sonharam com o privilégio exclusivo em África e obtiveram o apoio papal, assim se urdiu a prefiguração da partilha do mundo, o Tratado de Tordesilhas, sancionado pelo Papa Alexandre VI. Mas estes tratados não eram respeitados, primeiro pelo contrabando espanhol e flamengo, e mais tarde pelos ingleses e pelos franceses.
É assim que aparece Eustache de La Fosse, mercador natural de Tournai (hoje Bélgica), mercador em Bruges, aparece em Sevilha em 1479 e lança-se na aventura ao longo da Serra Leoa e na Costa de Ouro, onde foi preso pelos portugueses. Deixa-nos um relato primoroso do tráfico de escravos na região da Mina. O seu livro intitula-se Viagem à costa ocidental de África, 1479-1480. E aqui finda os relatos da descoberta de África para o período que nos interessa, mais adiante a autora falará detalhadamente do comércio francês e da presença no Senegal, Daomé e outras paragens.

Um dos grandes acontecimentos culturais que vivemos na década de 1990 foi a nossa presença na Europalia em 1991. Visitei esta exposição da Via Orientalis, o nosso caminho para o Oriente e as sucessivas permutas artísticas. A capa do catálogo mostra um saleiro da arte do Benim em marfim, pertence ao Museu de História Natural de Leiden, Países Baixos, temos aqui um português a cavalo e figuras de outros portugueses na base, é uma obra soberba.

Outra obra da arte do Benim, uma peça em latão, a figura exibe na parte inferior da indumentária cabeças esterilizadas de portugueses.

A cidade de Benim no século XVII, gravura que está Biblioteca Nacional, Paris
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Nota do editor

Último poeta da série de 18 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15632: Notas de leitura (798): “La Découverte de L'Áfrique", por Catherine Coquery (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15653: Convívios (724): o primeiro almoço convívio do ano da Tabanca da Linha: Hotel Riviera, Carcavelos, 21/1/2016 - Parte I: Texto de José Manuel Matos Dinis e fotos de Manuel Resende

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Foto nº 1 > Tabanca da Linha > Carcavelos > Hotel Riviera > 21 de janeiro de 2016 > Aspeto geral da sala


Foto nº 2 > Tabanca da Linha > Carcavelos > Hotel Riviera > 21 de janeiro de 2016 > Aspeto parciak da sala (1)


Foto nº 3 > Tabanca da Linha > Carcavelos > Hotel Riviera > 21 de janeiro de 2016 > Aspeto parciak da sala (2)


Foto nº 4 > Tabanca da Linha > Carcavelos > Hotel Riviera > 21 de janeiro de 2016 > O "comandante" Jorge Rosales e a esposa.


Foto nº 5 > Tabanca da Linha > Carcavelos > Hotel Riviera > 21 de janeiro de 2016 > O "ajudante de campo"Zé Manel Dinis e a Teresa. (Em segundo plano, de pé, o João Sacôto)



Foto nº 6 > Tabanca da Linha > Carcavelos > Hotel Riviera > 21 de janeiro de 2016 >  Zé Carioca e esposa.


Foto nº 7 > Tabanca da Linha > Carcavelos > Hotel Riviera > 21 de janeiro de 2016 >  Manuel Lema Santos e esposa.


Foto nº 8 > Tabanca da Linha > Carcavelos > Hotel Riviera > 21 de janeiro de 2016 >  João Sacôto  e esposa.



Foto nº 9 > Tabanca da Linha > Carcavelos > Hotel Riviera > 21 de janeiro de 2016 >  Mário Fitas, outro fundador da Tabanca da Linha, e esposa. Helena.



Foto nº 10 > Tabanca da Linha > Carcavelos > Hotel Riviera > 21 de janeiro de 2016 >  Hugo Moura Ferreira e um amigo guineense que de momento não identificamos



Foto nº 11 > Tabanca da Linha > Carcavelos > Hotel Riviera > 21 de janeiro de 2016 > Da direita para a esquerda, António Martins de Matos e Juvenal Amado.


Foto nº 12 > Tabanca da Linha > Carcavelos > Hotel Riviera > 21 de janeiro de 2016 > José Rodrigues e esposa.


Foto nº 13 > Tabanca da Linha > Carcavelos > Hotel Riviera > 21 de janeiro de 2016 > A Gina, o António [Fernando] Marques e o Hélder Sousa [, nosso colaborador permanente].



Foto nº 14 > Tabanca da Linha > Carcavelos > Hotel Riviera > 21 de janeiro de 2016 > Marcelino da Mata e António Graça de Abreu.


Foto nº 15 > Tabanca da Linha > Carcavelos > Hotel Riviera > 21 de janeiro de 2016 > Sobremesas...



1. A competente reportagem do último almoço-comvívio da Magnífica Tabanca da Linha: José Manuel Matos Dinis (texto) e Manuel Resende (fotos):


Karíssimos,


Realizou-se hoje o último encontro da Magnífica Tabanca da Linha, e igualmente o primeiro do ano corrente de 2016 que vos desejamos corra muito bem, pleno de alegrias e realizações pessoais e colectivas.

Teve a particularidade de inaugurar uma nova série, a de Carcavelos, e ocorreu no Hotel Riviera. Em sala razoável, bem amesentada, com brilhantes copos de vinho, e quase inúteis copos de água, constatou-se o elevado grau de civismo dos tertulianos, que limitaram as misturas ao mínimo necessário. Vi um, que nem ao translucido líquido recorreu para tomar um comprimido. Já não há gente desta índole!

Também se constatou o elevado número de presenças, e bateram-se os recordes anteriores, tanto em masculinos, como em femininos. 68 na totalidade, quase uma Companhia em finais de comissão. Muito me apraz registar o ingresso de alguns jovens que revelaram excelente capacidade de integração, o que corrobora a ideia de que na Magnífica se respiram bons ares.

Tratou-se de um almoço "buffet", conforme noticiado pelas vias oficiais, as únicas fidedignas, e as mesas apresentaram-se sempre com alimentos apetecíveis, dos preliminares, aos finalmentes. Talvez se pudesse melhorar esta questão, se houvesse outra mesa de apoio, e o acesso passaria a acontecer por duas filas em lugares opostos da sala, com vista a torná-lo mais fluente, e que todos terminassem o auto-serviço em tempos mais aproximados. Houve, de facto essa "decalage", mas nada que perturbasse irremediavelmente o rumo dos acontecimentos, ou provocasse o desânimo perante o atraso do golpe.

Sopa, saladas, pastéis, o peixe e acompanhamentos, mai-las sobremesas, foram em doses suficientes, apesar da salada de cogumelos ter antecipado a finitude para alguns dos mastigantes. As notícias foram de agrado pela variedade palatal, e pelos convívios estimulados pela distribuição de 8 lugares por mesa. E ninguém se magoou. O serviço de apoio nos vinhos decorreu muito bem, com simpáticos funcionários atentos ou solícitos.

Cantaram-se os parabéns ao José Carioca, um dos fundadores, porque merecidamente completa hoje mais um ano de andança. De novo o felicito, com votos de longa vida, plena de alegrias. O Senhor Comandante também manifestou grande regozijo pela interpretação do cântico alusivo, que ele cada vez aprecia mais. Mandou-me registar essa satisfação.

Mataram-se saudades, e desejamos expressar que o trabalho que nos dá o Senhor Comandante Rosales, é sempre desenvolvido com alegria e determinação, sobretudo o que compete ao nosso director informático. Com mais ou menos resinguice cá vou desenvolvendo as tarefas da minha competência, e perante as dificuldades correntes, já não alimento a esperança da reforma para os próximos anos. Haja fé!

Desculpem a pressa com que cumpro a obrigação de noticiar o acontecimento do dia, mas amanhã vou alentejanar, e ainda devo preparar o saco para a campanha. Lembro-vos que a terceira idade é para nos divertirmos, pela simples razão de ser a última. Abraços fraternos.


JD
Amanuense a aguardar promoção

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Guiné 63/74 - P15654: Memória dos lugares (331): Procissão do Corpo de Deus em Bissau no ano de 1967 (José António Viegas)

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1. Mensagem do nosso camarada José António Viegas (ex-Fur Mil Art do Pel Caç Nat 54, Enxalé e Ilha das Galinhas, 1966/68), com data de 11 de Janeiro de 2016:

Caro Carlos Vinhal
Depois de um interregno em virtude de mudanças na minha vida, deixei de morar em Loulé e moro agora em Olhão, vim fazer companhia ao nosso camarada Henrique Matos.
Dia 30, Dia de Corpo de Deus, lembrei-me dessas fotos a vida na Guiné, que não era só guerra, retratando a procissão descendo a avenida.
Assim que tiver mais tempo vou preparar outras fotos e histórias da Guiné.

Um grande abraço
Viegas



 Bissau, 25 de Maio de 1967 - Procissão do Corpo de Deus
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15609: Memória dos lugares (330): A aldeia de Brunhoso é uma importante produtora de cortiça (Francisco Baptista, ex-Alf Mil da CCAÇ 2616 e CART 2732)

Guiné 63/74 - P15655: Álbum fotográfico de António José Pereira da Costa, Coronel de Art.ª Ref (ex-Alferes de Art.ª na CART 1692; ex-Capitão de Art.ª e CMDT das CART 3494 e CART 3567 (1): BAA 3434, dispositivos para iluminação do campo de batalha e Cumeré

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1. Mensagem do nosso camarada António José Pereira da Costa, Coronel de Art.ª Ref (ex-Alferes de Art.ª na CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-Capitão de Art.ª e CMDT das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74), com data de 10 de Janeiro de 2016, com as primeiras fotos para o seu Álbum fotográfico:

Olá Camaradas
É minha intenção enviar todas as minhas fotos da Guiné. Vou enviá-las por assuntos:
Segue o primeiro - a Btr AA 3434 que defendia heroicamente (digo eu) a Base Aérea 12 contra ataques aéreos e terrestres como aconteceu por duas vezes que me recorde.
Depois do guião e do emblema de peito um portefólio feito numa noite de exercício de defesa Anti-Aérea.
O Malogrado TCor Brito voava num T-6 e largou um ou dois flares - dispositivos para iluminação do campo de batalha) que ficavam a pairar à vertical da base e os artilheiros, PUMBA! Fogo neles.
E até acertaram... Era incipiente, mas era o que se podia arranjar. A defesa AA da Base tinha muitas limitações, como já se disse, mas se houvesse tempo era possível pôr tiros no ar que é o que faziam todas as AA da II GM que utilizavam os materiais de que dispúnhamos. O resto era rezar e esperar que Deus fosse português (e do Benfica de preferência...). Caso contrário poderia ser uma tragédia.
Seguem duas fotos do Cumeré, em MAI71. Ainda não estava completamente acabado, mas já fazia serviço e "embrulhou" na noite de 9 para 10UN71, quando foram atacados todos os quartéis à volta de Bissau e ao mesmo tempo 6 foguetões de 122 mm caíam à beira do "Pelicano" um restaurante bem agradável de que todos nos lembramos.
Voltarei à antena com mais fotos.

Um Ab.
António J. P. Costa



 





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Guiné 63/74 - P15656: Memórias de Gabú (José Saúde) (60): O meu quartel (José Saúde)

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1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua série.

As minhas memórias de Gabu

O meu quartel

Obrigado camarada Amílcar Ramos por este pequeno/grande miminho que trouxeste a público: uma foto do quartel novo de Gabu. Uma imagem que me fez viajar no tempo e recordar o meu, aliás nosso, quartel. Tu, camarada de armas, também por lá passaste. Eras furriel miliciano BAA, estavas alojado em instalações avançadas junto à pista de aviação, mas, lá ias à nossa messe de sargentos.

E tantos foram os almoços e jantares em que fomos companheiros de mesa. A minha memória teima em refazer imagens desses velhos tempos. Recordar espaços comuns, camaradas que o tempo ousou literalmente afastar e um sem número de aventuras acumuladas em pleno palco da guerrilha.

“Uma lágrima ao canto do olho” vagueia pelo meu rosto já crivado de saudosistas recordações. Olho atentamente a foto. Curvo-me perante as lembranças. E são de facto muitas que se concentram nesta já sexagenária e débil mente. Todavia, aquele horizonte leva-me a um cheiro a África. Apetece-me viajar nas ondulantes asas do vento, imaginar-me a envergar o meu camuflado, “viajar” num Unimog, ou a “butes” e desbravar aquele inigualável horizonte.

Na pista alcatroada aterravam e descolavam voo aviões de maior porte (Noratlas, por exemplo) que obrigava o pessoal a uma proteção mais refinada, ou seja, uma proteção feita no interior do mato. Lembro-me da infinidade de horas que por lá passei.

A sensação de alívio sentida pelo grupo quando o avião descolava. Ou, ouvir o barulho dos motores numa aterragem. Ou, a raiva da malta quando a demora na missão se protelava no tempo. A nossa incumbência passava indiscutivelmente pela segurança. Neste contexto, a previsão em aterrar e descolar aconselhava-se rápida. Porém, nem sempre tal acontecia.

A dimensão que a foto monopoliza, leva-me a outros sensações sentidas no tempo áureo da guerrilha. Aquela estrada para Bafatá!... Ui, tantas colunas que fizemos a terras do Geba. Tantas histórias que farão eternamente parte integrante dos nossos baús.

Depois a grandeza e profundidade daquele mato serrado. Os quilómetros palmilhados pelo interior daquele matagal. O contacto com as tabancas que habitualmente cruzávamos. O dialogar com os homens e as mulheres grandes. Ouvir a criançada quando a nossa chegada à tabanca ocorria. A brincadeira dos macacos, ou um inadvertido toque numa árvore que entretanto acolhia um enxame de abelhas e o subsequente delírio da rapaziada. Uma galinha de mato que levantava voo, ou uma cabra de mato apetecível a um tiro que entretanto não se dava, por motivos óbvio. Enfim, uma panóplia de recordações que o guerrilheiro obrigado jamais esquecerá. Momentos inolvidáveis, sublinho eu.

Por outro lado, havia os tais momentos sempre de incerteza. Incerteza no trilho; incerteza na picada; incerteza no que estava para lá da densidade do mato; incerteza no momento seguinte; incerteza numa mina que traiçoeiramente tinha sido colocada pelo IN com a finalidade de causar ronco num jovem em plena idade de afirmação como gente e a incerteza numa emboscada.

Reparo, também, as tabancas à beira da estrada. Revejo o meu quartel. Os aposentos dos oficiais, dos sargentos e do restante pessoal. A porta de armas. O refeitório das praças. As oficinas. A parada. Etc, etc, e etc…

Repito, camarada Amílcar: OBRIGADO! 


Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


Guiné 63/74 - P15657: Parabéns a você (1023): Augusto Silva Santos, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3306 (Guiné, 1971/73); Francisco Godinho, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2753 (Guiné, 1970/72) e José Albino, ex-Fur Mil Art do Pel Mort 2117 e BAC 1 (Guiné, 1969/71)

Guiné 63/74 - P15658: Manuscrito(s) (Luís Graça) (74): Aquele poema que nunca disseste na parada do quartel de Tavira...

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 Aquele poema que nunca disseste na parada do quartel de Tavira


por Luís Graça


Que pena não teres tido a ideia
(ou a coragem ?),
naquela manhã de fim de outono de 68,
em plena parada do quartel de Tavira,
no regresso da tua companhia
de armas pesadas de infantaria,
encharcado e exausto,
depois do crosse até às salinas…
que pena não teres tido a ideia
de dizer em voz alta,
pausadamente,
mecanicamente,
com a voz monocórdia de robô,
aquele poema do Alberto Caeiro
(lembras-te?):

“Quem me dera que a minha vida fosse…
um canhão sem recuo,
montado num jipe,
eu não tinha que ter esperanças,
tinha só que ter rodas,
e chapa,
e um tubo de aço de canhão sem recuo,
e granadas para o municiar.
Nem sequer precisaria de peças sobresselentes,
porque a  minha esperança média de vida,
à nascença,
seria sempre muito curta:
na melhor das hipóteses,
não chegaria sequer à próxima batalha.
Finda a guerra,
seria apenas um monte de sucata,
onde cresceriam ervas daninhas,
e ninguém mais se importaria comigo
e, menos ainda, choraria a minha morte.
Dos sobreviventes,
haveria por certo alguém,
um burocrata da tropa, 
que se daria a maçada
de tomar nota da matrícula do jipe,
e mandar abater-me ao efetivo,
depois ter lavrado o competente auto de corpo de delito”…

Não teve sorte, o teu poeta,
coitado,
morreria cedo, ao que parece,
aos vinte e poucos e anos,
que é a idade mais bonita para se viver.
Teria feito tropa ?
Teria feito a guerra ?
Não se sabe,
mas só posso imaginá-lo,
morto,
na batalha de La Lys,
esventrado,
os olhos vidrados,
o caderno de notas no bolso junto ao coração,
varado por um estilhaço de morteiro,
o sangue ainda quente,
ao lado daquele menino de sua mãe,
um tal Fernando Pessoa,
de que só se conhece um retrato pungente.

Alfragide, 31/12/2015, v3
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Nota do editor:

Último poste da série > 1 de janeiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15563: Manuscrito(s) (Luís Graça) (73): Vamos cantar as janeiras: "O Novo Ano é sempre assim, /Traz sonhos e inquietações, / Em português ou em mandarim, / Aguardaremos as instruções."

Guiné 63/74 - P15659: In Memoriam (244): Sezinando Ferreira Domingues (ex-Fur Mil da CCAÇ 3328), faleceu no passado dia 17 de Janeiro de 2016, em Leiria (José Câmara)

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1. Mensagem do nosso camarada José da Câmara (ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73), com data de 23 de Janeiro de 2016:

HOMENAGEM PÓSTUMA AO MEU CAMARADA SEZINANDO

Amigos e Camaradas,
Ao longo da minha vida fui conhecendo pessoas que, por circunstâncias várias, me foram tocando profundamente. O Fur Mil (Operações Especiais) Domingues, Sezinando para os amigos, foi uma dessas pessoas. A mobilização para a Guiné, integrado na CCaç 3328, levou-o a Angra do Heroísmo e ao BII 17. Foi ali que o conheci, em 1971.
De semblante algo austero, olhar penetrante, calmo e simpático no seu falar, o Sezinando transpirava confiança e impunha respeito à sua volta. O seu forte carácter levava à construção de amizades sólidas. Entre muitos, eu fui um dos felizardos que teve a oportunidade de apreciar a sua palavra amiga, o gesto simples dócil de um coração sincero.

Sala de almoço do N/M Angra do Heroísmo, na ida para a Guiné. Na foto, da esquerda para a direita: os Fur Mils Francisco Pereira (que em Agosto de 1972 perdeu uma perna numa mina, tendo sido evacuado para a Metrópole); o Duarte e o Sezinando, todos da CCaç 3328. A seguir: da CCaç 3327, o André Lourenço Fernandes e eu, José Câmara. Na mesa a seguir, também da CCaç 3328, o Fur Mil Vagomestre Alberto Ferreira.

Na Guiné, a CCaç 3328/BII17, uma Companhia de Intervenção às ordens do BCaç 2928, fez a sua comissão em Bula. O Sezinando comandou durante muitos meses o 1.° GrComb, tendo sido louvado, em Setembro de 1972, pelo Comandante do Batalhão. Após a comissão, aquela Companhia, bem assim as CCaç irmãs, 3326 e 3327, chegaram a Lisboa ao entardecer do dia 12 de Janeiro de 1973, desembarcando na manhã do dia seguinte.
Consequentemente, cada um de nós seguiu o seu próprio caminho e só em 2014 voltei a encontrar-me com o Sezinando, fruto do convívio que aquelas Companhias tiveram na Quinta do Paúl, em Ortigosa. Como era seu timbre, participou activamente nos preparativos do encontro, cabendo-lhe a procura e indicação dos locais mais apropriados para a realização do mesmo. E que bem o fez.

Convívio 2014, Ortigosa – À esquerda e à direita os Fur Mil João Cruz e José Câmara, ambos da CCaç 3327. Ao centro, o Fur Mil Sezinando Domingues (da CCaç 3328), com a esposa.

Foi ao findar do seu trabalho no terreno que descobriu ter sido acometido de doença incurável. Nunca se queixou. Extremamente debilitado pelos tratamentos conseguiu arranjar forças na fraqueza que o consumia para ir abraçar os amigos no convívio que ele, com tanto carinho, ajudara a preparar. Foi o último grande gesto de um homem de eleição.

Convívio 2014, Ortigosa – O Fur Mil Vagomestre Alberto Ferreira (CCaç 3328), num improviso comovido, cumprimenta os presentes e em especial o camarada de armas Sezinando. que está com a mão na fronte.

O Sezinando Ferreira Domingues tinha residência em Casal dos Claros, Amor, Leiria. No passado dia 17 deste mês de Janeiro saiu em patrulha sem regresso. Na sua mochila de campanha levou o respeito de todos nós que o conhecemos e fomos seus amigos. Com a família e connosco deixou um belo caderno de recordações escrito com a caneta do amor e da amizade.

Até qualquer dia amigo.
José Câmara
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Nota do editor

Último poste da série de 30 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15553: In Memoriam (243): António [Gabriel Rodrigues] Vaz (1936-2015), ex-cap mil art, cmdt CART 1746 (Bissorã e Xime, 1967/69); nosso saudoso grã-tabanqueiro nº 544, desde 2012
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