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Guiné 61/74 - P19475: Historiografia da presença portuguesa em África (148): Relatório do Delegado de Saúde da vila de Bissau, o médico de 2.ª classe Damasceno Isaac da Costa, referente a 1884 (1) (Mário Beja Santos)

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1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Junho de 2018:

Queridos amigos,
Há razões seguras para dar muita atenção a este documento elaborado pelo médico Damasceno Isaac da Costa. Estamos no início da Província Autónoma da Guiné, está aqui um retrato fiel da presença portuguesa, a descrição das viagens entre Bissau e Geba não são propriamente uma novidade mas não conta a pirataria praticada, aliás o Governador Oliveira Muzanty teve que pedir a Lisboa uma operação como nunca até então se realizara para liquidar rebeliões, neste caso a do régulo Infali Soncó, que também impedia a circulação do Geba, nos moldes em que Damasceno Isaac Costa descreve neste seu precioso relatório.
E vamos conhecer os grandes problemas de saúde e de higiene do território.

Um abraço do
Mário


Relatório do Delegado de Saúde da vila de Bissau, o médico de 2.ª classe Damasceno Isaac da Costa, referente a 1884 (1)

Beja Santos

Este relatório consta dos Reservados da Sociedade de Geografia de Lisboa e foi oferecido pelo seu filho Pedro Isaac da Costa ao antigo Administrador de Bissau, António Pereira Cardoso, autor de um conjunto apreciável de documentos, muitos deles de leitura indispensável para conhecer a vida administrativa da Guiné, sobretudo entre as décadas de 1930 e 1950.

Este relatório, como se verifica pelo seu fecho, foi copiado pelo filho do autor. E diz-se que é de estranhar que tendo sido escrito em 1884 se refere a factos de 1888. É um documento minucioso, começa pela descrição do Conselho de Bissau, com sede em Bissau e compreendendo a vila de S. José, o presídio de Geba, Fá e S. Belchior. Situa a ilha de Bissau e diz que o rio Impernal a separa do território ocupado pelos Balantas. A ilha, diz o médico, era constituída por gentes de dez tribos, e os régulos ou chefes tinham as denominações, entre outras, de Antim ou Intim, Bandim, Amura, Prábis, Safim, Torre, Biombo e Quixete. Faz uma história dos régulos, refere-se à importância que teve a Companhia de Grão-Pará e Maranhão que obteve licença do rei de Intim para a construção da fortaleza. A povoação, no final do século XVII, tinha duzentas cubatas e cinco casas cobertas a telhas, habitadas por negociantes portugueses e comissários das casas inglesas da Gâmbia e franceses da Goreia e também pelos grumetes; havia também uma igreja dedicada a Nossa Senhora da Conceição e um hospício para missionários.

Falando do itinerário de Bissau a Geba, escreve o médico:
“Durante a estação de inverno, durante esses meses em que as chuvas são constantes e torrenciais, as águas transbordando os vastos pântanos e superfícies pantanosas situadas em diferentes pontas na proximidade do rio, formam regatos que vão desaguar no mesmo rio, o qual, por sua vez, não tarda a transbordar em muito pouco tempo, em consequência da sua estreiteza e pouca profundidade. Nesse período de tempo, a água correndo constantemente e com violência para desaguar no oceano faz desaparecer o fenómeno de praia-mar. É devido à ‘mantuana’ que as embarcações que navegam de Bissau a Geba gastam muitas vezes 30 a 40 dias, pois que é necessário arrastá-las contra a corrente das águas com auxílio de cordas amarradas às árvores que orlam as margens do rio.
Um outro fenómeno que dificulta a navegação tornando-a perigosa especialmente na ocasião da lua cheia, é conhecido no país com a denominação de macaréu. É imponente e majestoso este fenómeno. Quando começa a praia-mar, ouvem-se ao longe grandes rugidos, semelhantes aos de uma tempestade, mas de curta duração. De súbito, vê-se encapelarem-se as vagas umas após as outras, as quais impetuosas levam diante de si tudo quanto se opõe ao seu curso vertiginoso. Este fenómeno só se vê nos rios Geba e Corubal.
Os Beafadas que outrora ocupavam as margens do rio Geba fechavam a navegação deste quando lhes parecesse, especialmente em ocasiões de guerra que travavam com os Fulas e exigiam avultadas indemnizações às embarcações que com grandes dispêndios e importantes carregamentos transitavam no rio. Em 1847, o governador de Cabo Verde ordenou que se suprimisse a verba vexatória que a título de presentes era abonada a esses piratas e desde essa época poucas vezes se repetiram casos de semelhante natureza.
Para levarem a efeito esses actos de pirataria, os Beafadas amarravam uma corda na árvore de uma margem que passando pela superfície da água ia terminar regularmente noutra árvore na margem oposta. Os extremos da corda traziam duas campainhas que anunciavam a chegada de qualquer embarcação. Os Fulas-Pretos atacavam esses piratas e acabaram os saques”.

É um documento não só de leitura aliciante como é um registo das condições de vida na colónia nos finais do século XIX.

(Continua)

Carta da Guiné, século XVIII, por amável deferência da Sociedade de Geografia de Lisboa.

Câmara Municipal de Bolama, fotografia de Francisco Nogueira, retirada do livro “Bijagós Património Arquitetónico”, Edições Tinta-da-China, 2016, com a devida vénia.
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Nota do editor

Último poste da série de 31 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19457: Historiografia da presença portuguesa em África (147): O padrão, no Gabu, comemorativo do V Centenário da Descoberta da Guiné (1446-1946)

Guiné 61/74 - P19476: Recortes de imprensa (101 ): o desastro do Cheche, no rio Corubal, ocorrido na manhã de 6/2/1969 (Diário de Lisboa, 8 de fevereiro de 1969, p. 1)

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Diário de Lisboa, 8 de fevereiro de 1969, p. 1




Citação:
(1969), "Diário de Lisboa", nº 16573, Ano 48, Sábado, 8 de Fevereiro de 1969, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_7148 (2019-2-6)



Fonte: Instituição: Fundação Mário Soares | Pasta: 06597.135.23237 | Título: Diário de Lisboa | Número: 16573 | Ano: 48 | Data: Sábado, 8 de Fevereiro de 1969 | Directores: Director: António Ruella Ramos | Edição: 2ª edição | Observações: Inclui supl. "Diário de Lisboa Magazine". | Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos | Tipo Documental: Imprensa.

(Com a devida vénia...)


1. A notícia chegou tarde às redações dos jornais. O "Diário de Lisboa", que se publicava à tarde,  deu-a em título de caixa alta só na 2ª edição, dia 8 de fevereiro de 1969,  que era um sábado. Fez ainda uma 3ª edição. (*)

De qualquer modo, o jornal limitava-se a transcrecever a notícia dada pela agência oficiosa L [Lusitânia], com proveniência de Bissau e com data de 8 de fevereiro... As autoridades da província (leia-se: o general Spínola) levaram dois dias a recolher e a tratar a informação...

Omite-se, por certo intencionalmente, por razões de segurança militar, os seguintes elementos factuais:

(i) o "acidente" ocorreu na manhã de 5ª feira, dia 6 de fevereiro de 1969;

(ii) no  final da Op Mabecos Bravios, ou na seja, na sequência da retirada do aquartelamento de Madina do Boé e do destacamento de Cheche..

Os jovens de hoje não sabem o que era isso, mas  os jornais (o "Diário de Lisboa" e os outros) eram "visados pela censura": havia uns senhores todo poderosos, em geral militares, coronéis do exército ou equivalentes,  que tinham um "lápis azul", e que passavam a pente fino, previamente (ou seja, antes da publicação), todas as notícias que saiam na imprensa escrita. 

A grande maioria dos portugueses na época, e nomeadamente os da nossa geração, nascera já no Estado Novo, o regime de Salazar (e depois Caetano),  pelo que não sabia o que era a  liberdade de imprensa, escrita e falada...

O título de caixa alta,  "Desastre na Guiné", da responsabilidade do editor do jornal, era suscetível de causar alarme e consternação, nomeadamente entre as famílias dos militares que estavam então no TO da Guiné: 47 mortos (militares, em rigor 46 militares e 1 civil guineense) era o balanço do "trágico acidente".

Eu estva em Castelo Branco, no BC 6, a dar instrução militra, como 1º cabo miliciano, e em véspera de ser mobilizado. A  notícia deste desastre mexeu comigo... A notícia da minha mobilização chega a 27 desse mês...Na noite seguinte, às 3h41 ocorre o violento sismo de magnitude 8 na escala de Richter (, o maior depois de 1755), com epicentro no mar, a sudoeste do cabo de S. Vicente, na planície da Ferradura, se fez sentir em Portugal, Espanha e Marrocos. Eu nessa noite dormia o "sono dos justos"..

Mas, voltando à notícia da agência Lusitânia:  houve logo a preocupação, pelo menos, por parte do "governo da província da Guiné", de dar o núnero exato de mortos e desaparecidos (não se faz a distinção, fala-se em "vítimas") e listar os seus nomes

O balanço era, de facto, trágico: na lista das 47 vítimas, por afogamento (, parte das quais nunca chegarão a ser encontradas), constavam: 

(i) 2 furriéis milicianos; 

(ii) 7 primeiros cabos; 

e (iii) 38 soldados (na realidade, um dos nomes era de um civil). 

Mas os termos da notícia eram lacónicos, secos, quase telegráficos, como  de resto era habitual nos comunicados oficiais ou oficiosos em assuntos "melindrosos" como este:

"Na passagem do rio Corubal, na estrada para Nova Lamego, afundou-se a jangada que transportava uma força militar, havendo a lamentar, em consequência deste acidente, a morte, por afogamento, de 47 militares".

E a notícia ficou por ali: não se voltou a falar do "trágico acidente", nas edições seguintes, nem muito menos o jornal se podia dar ao uso de, por sua conta e risco, mandar à Guiné uma equipa de reportagem para aprofundar o assunto... Voltou-se à rotina da atualidade nacional e internacional, e os nossos valorosos camaradas que estavam na Guiné lá continuaram a "aguentar o barco" por mais cinco anos...

Para não dar azo, entretanto,  a perigosas  especulações, o ministro do Exércitofoi nomeou (e mandou de imediato para o CTIG) o cor cav Fernando Cavaleiro, um militar prestigiado,  o "herói da ilha do Como" (1964), infelizmente já falecido,  a fim de instruir localmente o processo de averiguações. Não sabemos quanto tempo levou a instrução do processo, mas temos um resumo das conclusões preliminares do cor cav Fernando Cavaleiro, publicado no jornal "Província de Angola", em data desconhecida, conforme recorte que nos foi enviado pelo nosso camarada José Teixeira, e que já aqui publicámos em poste de 25 de julho de 2015 (**).

Cinquenta anos depois, ainda não tivemos acesso ao relatório original (, nem sabemos se existe cópia no Arquivo Histórico-Militar), mas tudo indica que há nele erros factuais graves, permitindo ytirar conclusões enviesadas que acabam por escmotear, ignorar ou branquear a responsabilidade do 2º comandante da operação, que ultrapassou o oficial de segurança, o alf mil Diniz. 

Hoje sabemos que, na última e trágica viagem, em vez de 2 pelotões, a jangada levou o dobro, contrariamente as regras estabelecidas pelo alf mil Diniz... Mas este era o "elo mais fraco" da cadeia hierárquica e acabou por ser ele o "bode expiatório" de toda esta história que ainda continua mal contada...

2. Hoje comemoram-se os 50 anos deste trágico evento... E muita água ainda há-de ainda passar sob as pontes do rio Corubal até que se saiba a verdade ou toda a verdade sobre esta tragédia que ensombrou o primeiro ano do consulado do Spínola. 

Ainda está por realizar o prometido encontro do nosso editor Luís Graça com o ex-alf mil José Luís Dumas Diniz (, da CART 2338), responsável pela segurança da jangada que fazia a travessia do rio Corubal, em Cheche, aquando da retirada de Madina do Boé. Uma peça fundamental neste feliz encontro foi (e vai ser) o ex-alf mil trms, Fernando Calado, da CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), membro da nossa Tabanca Grande, e meu contemporâneo da Guiné (estivemos juntos, em Bambadinca, entre julho de 1969 e maio de 1970). Foi o Fernando Calado que me pôs em contacto com o José Luís Dumas Diniz.Dificuldades de agenda, de parte a parte, ainda não nos permitiram fazer o encontro a três.

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 28 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19447: Recortes de inprensa (100): para a história da luta dos deficientes das Forças Armadas: a manifestação em Lisboa, de 20 de setembro de 1975 (Diário de Lisboa, 22/9/1975)

Guiné 61/74 - P19477: Pelotões Independentes em Gadamael: A Memória (Manuel Vaz, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 798) (5): 3 - Os Pelotões de Artilharia que estiveram em Gadamael (Continuação)

Guiné 61/74 - P19478: (In)citações (126): o facto de ter havido alguém, como o Ramiro Elias da Silva, a ter a ideia de um convívio do batalhão em Angola, por volta de 1980, à semelhança dos que fazemos em Portugal, é altamente significativo do espírito que animou os seus militares, o que muito me orgulha (Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil, CCAÇ 3535 / BCAÇ 3880, Zemba e Ponte de Zadi, 1972/74)

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Angola > Dembos > Zemba > CCAÇ 3535 / BCAÇ 3830 (1972/74 ) > O aquartelamento de Zemba


Angola > Maquela do Zombo  > Ponte de Zádi > CCAÇ 3535 / BCAÇ 3830 (1972/74 ) > O aquartelamento de Ponte de Zádi


Fotos (e legendas): © Jorge Madureira (2014) [,ex-fur mil mec, CCAÇ 3535, Zemba e Ponte de Zádi, 1972/74]. Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] (com a devida vénia...)


Comentário do nosso camarada Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil, CCAÇ 3535 / BCAÇ 3880 ( Zemba e Ponte do Zádi, Angola, 1972/74), com data de 2 do corrente (*):




1. Quem ler isto poderá perguntar-se como é que eu sei o que se passou com os angolanos da companhia (pelo menos com os que eram do Huambo) depois do fim da comissão. 

Eu explico. Aí por volta de 1986 ou 1987, apareceu num convívio do meu batalhão, cá em Portugal, um angolano que tinha sido do meu pelotão: o Ramiro Elias da Silva. Embora fosse natural de Benguela, o Ramiro casou-se com uma rapariga do Huambo (antiga Nova Lisboa) e foi viver para lá. 

Em 1984, a situação militar no Huambo estava a tornar-se insuportável. A cidade estava em poder da UNITA, mas sofria cada vez mais com os bombardeamentos da artilharia do MPLA, até que toda a população da cidade fugiu. O Ramiro fugiu também. A cidade do Huambo tornou-se uma cidade-fantasma, à mercê dos encarniçados combates entre a UNITA e o MPLA, com sul-africanos e cubanos à mistura. Em 1986, o Ramiro veio para Portugal, e logo a seguir compareceu a alguns convívios do batalhão.

Tudo o que eu sei sobre o que aconteceu aos meus antigos companheiros angolanos depois do fim da comissão, portanto, devo-o ao Ramiro. Foi ele que me contou o que se passou entre o Domingos Jonas e o Mário Sessendje. Contou-me ainda que, por volta de 1980, houve uma tentativa de organizar em Luanda um convívio entre os angolanos do batalhão. Este convívio não se pôde realizar, porque a guerra estava no seu apogeu, o paradeiro de muitos camaradas tinha-se perdido, as comunicações por terra estavam completamente cortadas (as deslocações entre as cidades apenas se faziam por avião, o que era caríssimo), em Luanda praticamente não havia restaurantes e os géneros alimentícios estavam fortemente racionados. 

Mas o facto de ter havido alguém que tenha tido a ideia de um convívio do batalhão em Angola, à semelhança dos que fazemos em Portugal, é altamente significativo do espírito que animou os seus militares, o que muito me orgulha.

Após ter participado em alguns convívios do batalhão cá em Portugal, o Ramiro Elias da Silva deixou de comparecer. Provavelmente terá regressado a Angola. Se ainda estiver vivo (espero que esteja), desejo-lhe as maiores felicidades, que bem merece.


2. A minha companhia, CCAÇ 3535, esteve em Zemba, na região dos Dembos (um ano), e em Ponte do Rio Zádi, muito perto da fronteira norte de Angola (o outro ano). 

Na dependência da companhia do Zádi havia dois destacamentos, ambos situados a cerca de duzentos metros da linha de fronteira, chamados Banza Sosso e Malele. A palavra Zádi (em quicongo Nzadi) significa "rio" e não faz muito sentido, por isso, falar em Ponte do Rio Zádi, porque isso significaria falar em "Ponte do Rio Rio"... Nós chamávamos ao quartel "Ponte do Zádi" ou apenas "Zádi". O Zádi era único rio digno desse nome existente em toda a região de Maquela do Zombo, com crocodilos e tudo.

O comandante do meu batalhão, BCAÇ 3880, era Armando Duarte de Azevedo (**), que teve o posto de tenente-coronel durante o primeiro ano de comissão (em Zemba, portanto), mas foi promovido a coronel no início do segundo ano. Mesmo quando já tinha a patente de coronel, ele manteve-se no comando do batalhão até ao fim.

Um abraço,

Fernando de Sousa Ribeiro

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(**)  Passou pela Guiné, esteve a comandar o BCAÇ 2845:

(...) "O BCAÇ 2845 foi mobilizado pelo GACA 2. Partiu para a Guiné em 1/5/1868 e regressou a 3/4/1970. Esteve em Teixeira Pinto e teve três comandantes: Ten Cor Inf José Martiniano Moreno Gonçalves; Ten Cor Inf Aristides Américo de Araújo Pinheiro (...) ; e Ten Cor Inf Armando Duarte de Azevedo." (...) 

Guiné 61/74 - P19479: Agenda Cultural (672): "Amores pós-coloniais", pelo grupo de teatro Hotel Europa... De 7 a 21 de fevereiro de 2019, no Teatro Nacional D. Maria II, Lisboa

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Cartaz do espetáculo "Amores pós-coloniais", Teatro D, Maria, de 7 a 21 de fevereiro de 2019 (Reproduzido com a devida vénia...)



1. Teatro: "Amores pós-coloniais"
Companhia: Hotel Europa
Data: de 7 fevereiro a 21 fevereiro 2019
Horário: qua: 19h30; qui: 21h30; sex: 21h30; sáb: 19h30; dom: 16h30
Local: Teatro Nacional D. Maria II

Praça Dom Pedro IV
Telef 213 250 800
http://www.teatro-dmaria.pt


Sinopse:

(...) Amores Pós-Coloniais inicia um novo capítulo de investigação na companhia Hotel Europa, estendendo o ciclo de investigação do colonialismo ao tema do amor.

“Este espetáculo de teatro documental pretende refletir sobre o amor enquanto espaço político e utópico, discutindo o que significava amar no espaço colonial e pós-colonial.

Este trabalho irá utilizar como metodologia um cruzamento entre a pesquisa de arquivo e a recolha de testemunhos reais. Pretendemos retratar com este espetáculo as políticas do amor no espaço colonial e perceber como a violência do colonialismo condicionava as relações amorosas. 


Iremos recolher testemunhos com antigos soldados Portugueses que tiverem filhos com mulheres África no tempo da guerra, mulheres de origem Portuguesa que se apaixonaram por homens negros pertencentes aos movimentos de Libertação, e também as relações que saíram da relação entre os países Africanos e os países da Europa de Leste. Este trabalho irá também entrevistar os filhos que saíram dessas relações, tentando fazer o escrutínio do que era o amor durante o período Colonial e Pós-Colonial.” (...) 

Sessão com interpretação em Língua Gestual Portuguesa a 24 de fevereiro.

Ficha técnica:

Hotel Europa. André Amálio, criação; Tereza Havlíčková, cocriação e movimento; André Amálio, Júlio Mesquita, Laurinda Chiungue, Pedro Salvador, Romi Anauel e Tereza Havlíčková, interpretação.

Preço: 11 €  (ver descontos)

Fonte: Agenda Cultural de Lisboa, fevereiro de 2019



Capa da Agenda Cultural de Lisboa, fevereiro de 2019, e reprodução da p. 40, com o anúnico da peça de teatro "Amores Pós-Colonais"


2. Nota do editor Luís Graça:

O sítio "Agenda Cultural de Lisboa", propriedade da Câmara Municipal de Lisboa, Pelouro da Cultura, Divisão de Promoção e Comunicação Cultural, utilizou indevidamente, duarnte alguns dias ou algumas horas, uma imagem do nosso blogue, da autoria do nosso camarada Virgílio Teixeira, sem qualquer referências à fonte e aos créditos fotográficos. Escusado será lembrar que uma das 10 regras de ouro do nosso blogue  é justamente o "respeito pela propriedade intelectual, pelos direitos de autor".


Depois de apresentado o devido protesto, o Virgílio Teixeira, que foi alertado por nós e que ficou deveras incomodado, recebeu a seguinte mensagem da produtora do espetáculo "Amores Pós-Coloniais", Joana Santos, com pedido de desculpas:


Data: Mon, 4 Feb 2019 12:35:05 +0000
De: Hotel Europa
Assunto: Uso da imagem: pedido de desculpa
Para: Virgílio Teixeira

Boa tarde caro Virgílio Teixeira,

O meu nome é Joana Santos e sou a produtora do espectáculo Amores Pós-Coloniais da companhia de teatro Hotel Europa, com a autoria de André Amálio & Tereza Havlíčková, que vai estar em cena no Teatro Nacional D. Maria II.

Escrevo pois foi-nos comunicado que é o senhor que está representado na fotografia que chegou a ser usada para a divulgação do espectáculo.

Em nome da companhia Hotel Europa queremos pedir desculpa pela utilização da fotografia neste contexto sem a sua autorização.

A imagem foi usada durante muito pouco tempo pois como não tínhamos informação sobre autoria e créditos decidimos deixar de a usar e substituí-la. O departamento de comunicação do Teatro divulgou muito pouco a imagem e já tinha feito um pedido para que fosse substituída mas vai agora reforçar por pedido nosso. Já identificámos os sítios na internet que têm de substituir e o pedido já foi feito. Na agenda impressa essa alteração já não pode ser feita.

Mais uma vez, pedimos imensa desculpa pelo incómodo desta situação, não foi de todo intencional da nossa parte.

Muito obrigada pela atenção.
Com os melhores cumprimentos
Joana Santos (...)

André Amálio & Tereza Havlíčková (...)
Hotel Europa
Performance.Theatre.Dance

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Nota do editor

Guiné 61/74 - P19480: Parabéns a você (1572): Constantino Neves, ex-1.º Cabo Escriturário do BCAÇ 2893 (Guiné, 1969/71)

Guiné 61/74 - P19481: Notas de leitura (1148): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (72) (Mário Beja Santos)

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1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Maio de 2018:

Queridos amigos,
A franqueza, por vezes brutal, o completo desassombro, o rigor dos números e das propostas, deixam-nos estupefactos. Estes apontamentos que Castro Fernandes, figura lídima do Estado Novo, envia à governação do BNU em 1957, não poderá deixar insensíveis os estudiosos da História da Guiné.
Castro Fernandes não mascara as situações de conflito, os enredos e as intrigas, o que pensa sobre o funcionalismo e os comerciantes, o que há de bom e de mau na exploração dos recursos económicos. Salta à vista que está muitíssimo bem documentado e veremos que quando refletir sobre os problemas que interessam diretamente ao BNU, tem soluções na manga. Não se conhece, ao tempo, documento mais importante sobre o que era a Guiné e os remédios para a desenvolver, numa perspetiva colonial.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (72)

Beja Santos

Os apontamentos elaborados pelo Administrador António Júlio de Castro Fernandes depois da sua viagem à Guiné, que ocorreu entre março e abril de 1957, trazem uma outra iluminação sobre conceitos coloniais, instituições, pessoas, potencialidades económicas e até o sistema financeiro. É, não vale a pena iludir, um relevantíssimo documento que abre também caminho a sabermos mais sobre as propriedades do BNU na Guiné e o que era esperado por este Banco quanto à Sociedade Comercial Ultramarina.

Falou largamente sobre o contencioso do Perfeito Apostólico com o novo Governador, Álvaro da Silva Tavares, não descurando a observação de que, fruto da intensa islamização, não era o mais acertado recorrer às escolas das missões, mas sim às escolas laicas para incrementar a alfabetização.
E esboça um retrato do atual Governador:
“Foi Delegado do Procurador da República na Guiné durante quatro anos, Juiz no Bié e em Luanda, Procurador da República junto da Relação de Goa, Secretário-geral do Estado da Índia. É um homem novo, de 42 anos, bastante culto, com uma boa leitura, e manifestamente inteligente. Conhece a Guiné e os seus problemas. É muito trabalhador. Pareceu-me, apenas, hesitante ao passar do pensamento à acção – tem talvez o defeito de examinar as soluções por todos os lados de forma que encontra sempre razões para ter receio de as adoptar…
Não é fácil a sua tarefa: actua num meio extremamente complicado, não tem colaboradores, tem de se mover numa orgânica que, a meu ver, não corresponde hoje às necessidades das Províncias Ultramarinas”.

Tenho para mim que alguns dos parágrafos mais elucidativos sobre a vida colonial guineense saíram do punho de Castro Fernandes quando ele fala do meio social. Recorda que a população civilizada da Guiné é constituída por 1500 metropolitanos, 1700 cabo-verdianos, 4000 guineenses e uns 500 libaneses, núcleo de cidadãos concentrados nas cidades e vilas.
São todos ou comerciantes ou funcionários:
“Os comerciantes são, acima de tudo, traficantes – o indígena é, dizem, a principal riqueza da Guiné. O comércio tem por missão explorar esta riqueza. De resto, o indígena já o sabe e tanto que o Balanta diz para o branco ‘furta me ma piquinino’.
Os funcionários são, de uma forma geral, do pior que há. Só vão para a Guiné ou os castigados ou os que não têm classificação para serem colocados noutra Província ou como ponto de passagem para outro lado. Como nível cultural, não vão além do Reader’s Digest, como nível social está pouco acima, se está, do possidonismo da pequena burguesia das nossas vilórias. Claro que há excepções e que talvez eu exagere um pouco a caricatura – assim, fiquei espantado ao saber que os discos de música clássica se esgotavam logo que eram postos à venda; encontrei algumas pessoas com certo interesse e até com boas maneiras, mesmo no Interior.

A intriga é, além do consumo do whiskey por parte dos homens e da canasta por parte das senhoras, o entretenimento favorito dos cidadãos e cidadãs de Bissau. Serve de pretexto desde os negócios sentimentais até ao corte dos vestidos.
A vida – apesar de os ordenados dos funcionários serem pequenos – é contudo agradável no aspecto da comunidade. Um Chefe de Posto, que é evidentemente pessoa modesta, geralmente de extracção social modestíssima, vive confortavelmente: tem uma boa casa, a geleira repleta de boas coisas (com conservas de frutas, sumos, fiambres, etc.), sipaios para todos os serviços de casa, etc. Os Chefes de Circunscrição são principezinhos. Tanto uns como outros são presenteados largamente – quer pelos indígenas, quer pelos comerciantes – e conseguem fazer economias que geralmente estoiram durante as licenças graciosas passadas em Lisboa.

Em Bissau vive-se bem. Como as exigências não vão muito além da boa mesa, têm-na farta. E todos têm automóvel. E bons aparelhos de telefonia com gira-discos moderníssimos. E fatos de bons tecidos. E vestidos janotas. E perfumes e águas-de-colónia. E casas agradáveis… embora de péssimo gosto.
De resto, sem este mínimo de conforto, a vida seria impossível – dada a hostilidade do clima.
Este quadro, apenas esboçado, dá ideia das dificuldades de encontrar pessoas capazes de levarem a cabo uma obra de grande envergadura.
Os vícios inerentes a um meio como este não podem facilitar uma acção que pretenda sanear a vida económica e política da Província, criando maior riqueza ou preservando a que existe.
Salvo o devido respeito – que é muito – pelos que conhecem profundamente os problemas ultramarinos, afigura-se-me que o principal drama da Guiné (como de Cabo Verde), no aspecto da categoria dos funcionários técnicos, reside principalmente na existência dos dois quadros, o metropolitano e o ultramarino.

Examinemos, por exemplo, os serviços da agricultura. Do Instituto Superior de Agronomia sai todos os anos uma fornada de agrónomos. Todos procuram ingressar nos quadros do Ministério da Economia, onde são colocados como agrónomos de terceira classe com ordenado modesto de entrada, mas onde lhes é possível exercer outras actividades ligadas à profissão. Vão para o Ministério do Ultramar, normalmente, os que ou não tiveram possibilidade de ficar por lá ou os que têm necessidade, logo de entrada, de um ordenado maior. Destes, os que podem vão para Angola ou Moçambique, os outros, pobres deles, vão parar com os ossos à Guiné ou a Cabo Verde. E, então, sucede que o Director dos Serviços Agrícolas, por exemplo, da Guiné ou não tem categoria para o lugar, porque é fraco profissionalmente, ou porque não teve a prática necessária para desempenhar eficazmente tal cargo.
A meu ver, a Guiné, como Cabo Verde, como provavelmente São Tomé (limito-me às Províncias do meu pelouro) só terão resolvido o seu problema de pessoal técnico quando os funcionários, todos do mesmo quadro, forem destacados em comissão durante um certo período (refiro-me, já se vê, ao pessoal dirigente). No estado actual das coisas, não me admira que o Engenheiro-Agrónomo Director dos Serviços Agrícolas da Guiné vá pedir ao Agrónomo-Chefe de Ziguinchor que lhe dite um relatório sobre a mancarra…
Quanto aos quadros – a sua exiguidade é perfeitamente lancinante. Basta dizer que à Repartição dos Serviços de Agricultura e Veterinária está consignada, no orçamento deste ano, a verba de 2 mil contos”.

E desloca a sua análise para outro estrato social, os comerciantes:
“Os comerciantes, à parte os quatro grandes – de que me ocuparei na devida altura – ou são libaneses ou gente sem nível e sem preparação.
Não existe um comércio diferenciado, constituído por indivíduos com iniciativa, recursos, capacidade.
Na Guiné desagua o aventureiro ou o desiludido. Sujeitos que para ali foram tentar a vida e que se limitam, com maior ou menor êxito, a explorar o indígena, comprando-lhe os produtos que vendem aos grandes, e vendendo-lhes o que podem. Mais pormenorizadamente me ocuparei adiante da forma como o comércio é exercido. Neste capítulo, limito-me a denunciar o baixo nível social desta classe”. E conclui: 
“De modo que, o meio social da Guiné Portuguesa é constituído pelo funcionalismo – de uma forma geral mau, embora se devam apontar algumas excepções (e honrosíssimas), sobretudo no pessoal das missões encarregadas da execução do Plano de Fomento, no quadro clínico da Missão do Sono, na Missão Geoidrográfica, etc. – e pelo comércio cujo nível já se denunciou. O restante são empregados onde predominam os cabo-verdianos”.

Seguir-se-á um apanhado detalhado sobre recursos económicos. Logo o amendoim ou a mancarra. Constitui o principal produto de exportação da Guiné, a produção é da ordem das 35 mil toneladas e a exportação de sementes de amendoim para a Metrópole em 1952, foi também de 35 mil toneladas. A produção tem vindo a aumentar de ano para ano, tendo passado para o dobro desde 1926/30 a 1946/50. A Guiné Portuguesa é o quarto exportador do continente africano e o principal abastecedor da Metrópole. A cultura da mancarra é feita inteiramente pelos indígenas em regime de rotação. A área de maior produção coincide com a circunscrição de Farim e parte norte de Bafatá a Gabu. O aumento da produção não deve fazer-se à custa do actual equilíbrio do meio natural, isto é, o aumento da produção pelo incremento da destruição vegetal e pelo encurtamento dos pousios conduzirá à senegalização dos solos. Este aumento, que pode crescer consideravelmente, tem de ser feito pela progressiva melhoria das sementes, pela sua distribuição ao indígena, pela armazenagem do produto, pela adaptação de técnicas culturais mais perfeitas.

O amendoim é quase todo embarcado para o exterior por descascar. A casca representa em peso 25% da semente. Só a Casa Gouveia possui um descasque no Ilhéu do Rei. A Sociedade Comercial Ultramarina é a única que possui uma instalação para produzir óleo de amendoim. Esta situação da exportação da mancarra em casca é hoje única em toda a África. A exportação da ginguba (mancarra descascada) teria como vantagens óbvias uma considerável economia no transporte, uma melhor selecção do produto, mão-de-obra que ficava na Província. Tem sido preconizado que o indígena fosse obrigado a apresentar ao comércio o produto sem casca, ou que o descasque se efectuasse em pequenas máquinas instaladas nos centros de compra mais afastados dos pontos de exportação.
O problema da selecção de sementes e da construção de celeiros para o seu armazenamento começa agora a ser encarado.
O comércio da mancarra obedece aos princípios em que assenta todo o comércio da Guiné: exploração do indígena, corrupção de funcionários, concorrência desenfreada.

Existem na Guiné quatro grandes casas exportadoras – Casa Gouveia, Sociedade Comercial Ultramarina, Barbosas, Nosoco – logo seguidas por Aly Suleiman, que é um pequeno exportador e, ao mesmo tempo, vendedor à Casa Gouveia, além de mais umas seis firmas. As grandes firmas operam, essencialmente, por duas formas: através das suas operações ou lojas estabelecidas no interior, pela compra do produto aos intermediários, pequenos comerciantes independentes espalhados pela Província. A compra ao indígena faz-se por dois processos: ou vão directamente às tabancas ou o indígena vem às lojas vender o produto (na generalidade, os pequenos e médios comerciantes queixam-se da faculdade que a todos é concedida de comprarem a mancarra nas tabancas; argumentam que se o indígena fosse obrigado a vender a mancarra nas lojas, compraria panos, contas, etc. e que, assim, recebem o dinheiro e, pago o imposto, gastam o resto em aguardente; além de que tal prática facilita a concorrência”.

O relator refere os preços de compra ao indígena em várias localidades da Guiné e observa igualmente que o negócio consiste sobretudo em cada um assegurar-se da maior quantidade possível de produto.

E esta análise de recursos económicos irá continuar com o coconote, arroz, produtos têxteis, e muito mais.

(Continua)

Imagem de uma Festa da Luta Felupe (Eran-ai), tirada em Sucujaque, em 8 e 9 de Abril de 2012, enquanto em Bissau decorria o golpe de Estado. 
Fotografia cedida por Lúcia Bayan, investigadora do povo Felupe, a quem agradecemos a gentileza.

Aeroporto de Bissalanca, anos 1950

Imagem de uma guineense, retirada de um postal à venda no eBay.
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Notas do editor

Poste anterior de1 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19459: Notas de leitura (1146): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (71) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 4 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19469: Notas de leitura (1147): Viagens de Luís de Cadamosto e de Pedro de Sintra (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19482: Ser solidário (222): O nosso camarada Luís Mourato Oliveira parte dia 2 de março para Bissau, para fazer voluntariado durante 3 meses, através da organização sem fins lucrativos "ParaOnde"... E qualquer ajuda humanitária adicional pode ser encaminhada para (e seguir por conta de) a loja "Paris em Lisboa", no Chiado

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Excerto do sítio da organização sem fins lucrativos ParaOnde, fundada em novembro de 2014.


"Uma experiência de voluntariado poderá realmente transformar a tua vida e, por consequência, muitas outras.

"Encaramos a nossa missão como uma cadeia de boas ações e queremos que te juntes a ela. Trabalhamos para promover a consciencialização, a transformação social e a entreajuda, de forma a ativar e consolidar a empatia e a valorização da diversidade. Que tal fazeres voluntariado em conjunto com pessoas de todo o Mundo para reconstruir casas no Nepal? Ou aproveitares os teus conhecimentos para dares apoio escolar a crianças e jovens de contextos sociais vulneráveis em Lisboa?

"O mundo, fora de Portugal ou ao lado de casa, não é só aquilo que conheces e há muito para explorar, tanto para conhecer e muito para dar. Entra neste movimento, ficamos felizes de te ter a bordo."



1. Mensagem do Luis Mourato Oliveiranosso grã-tabanqueiro nº 730, que foi alf mil inf, de rendição individual, na açoriana CCAÇ 4740 (Cufar, 1973, até agosto) e, no resto da comissão, o último  comandante do Pel Caç Nat 52 (Setor L1 , Bambadinca, Mato Cão e Missirá, 1973/74): 

Data: sexta, 25/01, 16:32



Assunto: Voluntariado na Guiné Bissau


Caro Luís,

Na sequência da nossa conversação de hoje, venho tentar dar mais alguma informação sobre a missão de voluntariado em que participarei a partir de 2 de Março próximo e durante três meses. (*)

A organização que me vai enviar designa-se ParaOnde e podes conhecê-la melhor no FaceBook. É gente muito jovem,  cheia de iniciativa,  e já conheço dois elementos que estarão durante parte do período da minha missão, podiam ser minhas netas, mas acho giro.

A missão é numa escola num bairro com grandes problemas e muita pobreza em Bissau e, sendo as minhas competências na área do ensino limitadas, vou ser aproveitado na motricidade e desporto dado ter sido jogador e treinador de andebol com formação obtida na Federação Portuguesa de Andebol.

Aproveito para levar para a organização, para que seja disponibilizada aos beneficiários desta algumas coisas. Um amigo meu com uma loja muito prestigiada em Lisboa, "Paris em Lisboa", não faz saldos e vai oferecer produtos da loja que se encarregará de expedir para a Guiné.

A estes vou juntar algum material desportivo que espero obter da Associação de Andebol de Lisboa com quem já falei na pessoa de presidente e, caso a nossa gente queira de algum modo contribuir, como calculas, estou de braços abertos.

Na formação que tive na organização ParaOnde, foi-me transmitida alguma desconfiança nas remessas, pois para além de ser um problema no desalfandegar, há riscos de exigirem "refresco" ou mesmo de cobrarem taxas. O que te pedia era informação que alguns nossos camaradas devem ter nestes processos, pois sei que regularmente fazem ofertas para lá, nomeadamente a "Tabanca de Matosinhos".

O coordenador em Bissau da missão é Humbongo Braima Sambu, que talvez seja conhecido por alguns de nós e está no FB podendo também no futuro ser contactado pela nossa malta. (**)
Fico a aguardar as tuas notícias e disponível para qualquer dúvida que seja levantada

Um abraço e bom fim de semana


Luís Oliveira




Lisboa > Chiado > Loja"Paris em Lisboa" (Foto da página do Facebook) (com a devida vénia...)


2. Nova mensagem do Luís Mourato Oliveira:

Data: quarta, 6/02/2019 à(s) 13:27

Assunto: Voluntariado em Bissau

 Olá,  Luis


Só agora te dou notícias porque também até hoje estive a aguardar informação do coordenador da escola em Bissau, mas nada de estranhar dado o país e cultura que bem conheces.

Como te disse há dias, vou partir dia 2 de Março e regresso no final de Maio, a organização que me vai enviar é ParaOnde.org e poderás conhecê-la melhor no FaceBook e a escola onde que irei trabalhar na área da motricidade e desporto é a Escola Particular Humberto Braima Sambu em Bissau- Bairro Pack 1. (**)

Qualquer informação ou remessa para esta instituição deve ser dirigida para:

Escola Particular Humberto Braima Sambú
A/C Mamadu Djassi C.P. 200
Bissau
Guiné Bissau




Guiné-Bissau > Bissau > Escola Privada Humberto Braima Sambu > 21 de novembro de 2018 > Alunos e alunos com o novo uniforme... A Escola foi fundada em maio de 1992  (Foto da págima do Facebook, com a devida vénia...)

Tenho estado a tentar arranjar alguma coisa que seja útil para aquela pobre gente e um amigo meu proprietário da loja "Paris em Lisboa", no Chiado e que nunca faz saldos, já me prometeu enviar texteis (Turcos, atoalhados, lençois etc.) e encarrega-se de todo o expediente inclusivamente do transitário e transporte. 

Caso alguns camaradas (a Tabanca de Matosinhos costuma ter algumas iniciativas, tal como a ONGD "Ajuda Amiga") queiram aproveitar a boa vontade do meu amigo Zé Carlos e tenham algo com que colaborar, poderiam juntar o material a expedir na loja e seguia tudo por conta da "Paris em Lisboa" que por sinal tem meios para o fazer.

Por hoje já vai alguma informação e fico a aguardar tuas noticias e alguma questão que queiras colocar.

Um abraço

Luís
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 10 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19389: Ser solidário (221): A "ONGD - Afectos com Letras" precisa de material para tratamento de queimaduras para dar resposta a uma solicitação do Hospital Simão Mendes de Bissau

(**) Vd.poste de  3 de setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13568: Ser solidário (163): Escola Humberto Braima Sambu, precisa de ajuda

Guiné 61/74 - P19483: Histórias com mu(o)ral ao fundo (1): "Não vamos incomodar o senhor Lino por causa de um preto" (Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil, CCAÇ 3535, Zemba e Ponte do Zádi, 1972/74)

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Angola, província do Uíge.Era quase duas meses o tamanho da Guiné. 


Cortesia de Wikipédia.


Histórias com mu(o)ral ao fundo (1) > "Não vamos incomodar o senhor Lino por causa de um preto"


por Fernando de Sousa Ribeiro 
 

[Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência. Esta história é verdadeira, os nomes é que são fictícios. Não nos compete julgar ninguém, muito menos os nossos camaradas de armas, aqui cabe-nos apenas o papel de contar histórias, de preferência com mu(o)ral ao fundo. A revisão e fixação de texto, bem como o título da história e a escolha do nome da série é da responsabilidade do editor LG. Esta é, aiás, a primeira história da série. Esperemos que outros autores apareçam.

O Fernando de Sousa Ribeiro foi alf mil da CCAÇ 3535 (Zemba e Ponte de Rádi, 1972/74; é licenciado em Engenharia Electrotécnica pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto; vive no Porto; está reformado; é membro da nossa Tabanca Grande desde 11/11/2018, sentando à nossa sombra do nosso poilão nº lugar nº 780.]



Muitos dos camaradas do meu batalhão, talvez não soubessem ao certo onde é que ficavam a Ponte do Zádi e o Béu [, em Angola, na província do Uíge, no extremo norte, fazendo fronteira com a norte e a leste com  República Democrática do Congo]. É natural, pois nunca lá devem ter ido. Pois bem. O Béu ficava a algumas dezenas de quilómetros a leste de Maquela e era onde estava a sede da CCAÇ 3537. A estrada (de terra, claro) que ligava Maquela do Zombo ao Béu passava pela Ponte do Zádi, que era a sede da minha CCAÇ 3535. A Ponte do Zádi, portanto, ficava entre Maquela e o Béu.


O alf mil Fernando de Sousa Ribeiro
O comandante da minha companhia gostava de ir todos os sábados à noite a Maquela [, sede da CCAÇ 3536,] divertir-se um pouco. Quem ficava a "tomar conta" do quartel era, por isso, um alferes. Várias vezes fui eu mesmo. E vem a propósito contar aqui um episódio ocorrido num desses sábados à noite no Zádi...Num dos tais sábados à noite, parou à porta da messe de oficiais do Zádi um jipe, onde vinha sozinho o capitão Alvim, que também tinha ido a Maquela. Achei estranho que ele viesse sozinho, sem escolta. Mais estranho achei o estado em que ele se encontrava quando saiu do jipe. Completamente alterado e embriagado, como eu nunca o tinha visto antes, o Alvim avançou cambaleante e dirigiu-se-me, atropelando as palavras umas nas outras:

- Ó Ribeiro, deixe-me entrar para descansar um bocado... Filhos da puta! Estou completamente fora de mim... Que grandes filhos da puta! Não estou em condições de continuar a viagem até ao Béu... Eu devia mas era desertar! Preciso urgentemente de descansar... Mas que filhos daputa!

Fiquei completamente parvo com o estado em que o capitão Alvim se encontrava e com as palavras aparentemente desconchavadas que dizia. O Alvim, que era um homem sempre tão sereno, tão imperturbável, naquele estado... O que teria acontecido? Convidei-o a entrar na messe e a sentar-se. Servi-lhe já não sei o quê, disse-lhe para se descontrair e, quando ele ficou um pouco mais calmo, perguntei-lhe o que foi que aconteceu. O Alvim contou-me então o que tinha presenciado em Maquela.

Vou tentar reproduzir de forma clara e ordenada o que ele  me contou de forma confusa.

Já era de noite, quando alguém entrou na messe de oficiais de Maquela para chamar o médico. Disse que tinha dado entrada no hospital da vila um homem muito ferido, que precisava de ser visto urgentemente. O alf mil médico  Branco levantou-se e seguiu para o hospital. Quando entrou e viu o ferido, disse em voz baixa:
- Chicotadas...

O homem tinha as costas todas retalhadas, em carne viva! O Branco perguntou em seguida, em voz mais alta, o que tinha acontecido. Responderam-lhe que o homem era um trabalhador de uma fazenda do Lino, que estava a cortar uma árvore lá na fazenda e que a árvore lhe caiu em cima. Comentou o Branco:
- A cortar uma árvore à noite?... Ainda por cima num sábado?! Além do mais, uma árvore não faz ferimentos assim, como estes! O que este homem foi, foi chicoteado!

E acrescentou:
- Este homem precisa de ser evacuado imediatamente para Luanda. Eu não tenho meios aqui para tratar feridos com esta gravidade. Ele tem de ser evacuado imediatamente, senão morre-me nas mãos. Assim como está, ele não chega vivo até amanhã de manhã!

O comandante do nosso batalhão, quando foi informado da necessidade de evacuar para Luanda um ferido civil muito grave, porque tinha sido chicoteado quase até à morte, ficou muito preocupado. Comentou:
- Como é que vamos conseguir a evacuação de um homem para Luanda a esta hora? Aqui em Maquela não há aviões e, mesmo se houvesse, o piloto recusar-se-ia a voar de noite até Luanda. E com razão. Um voo noturno é muito arriscado.

Como era imperioso evacuar o homem, o comandante resolveu entrar em contacto com uma companhia de táxis aéreos que havia em São Salvador, a qual tinha pelo menos um avião permanentemente na pista. Esperava levar uma nega, como de facto levou.
- Ó senhor coronel - disseram-lhe de São Salvador. - Nós não temos condições para fazer voos noturnos até Luanda. Os nossos aviões não têm meios para fazer esses voos. O senhor coronel não leve a mal, mas não é por falta de vontade nossa. É mesmo impossível voar de noite até Luanda. Acredite. Só a Força Aérea é que pode fazer voos desses. Mais ninguém.

O coronel Figueiredo agradeceu, desligou e comentou:
- Ora, ora, a Força Aérea... A Força Aérea só evacua militares, não evacua civis! E agora, o que vamos fazer?

Como não havia mais nenhuma alternativa, o comandante resolveu entrar em contacto com o Aeródromo Base do Negage, da Força Aérea, esperando receber uma firme resposta negativa.
- Daqui fala o coronel Figueiredo,  do Exército, comandante do Batalhão de Caçadores que está em Maquela do Zombo - identificou-se através do rádio. - Preciso de falar pessoalmente com o comandante da base ou quem o substitua, com a máxima urgência.

Responderam-lhe do Negage:
- O comandante da base não está. Como é sábado à noite, ele encontra-se ausente...

- Não interessa! Chame o oficial mais graduado que estiver aí a comandar a base neste momento! É muito urgente! - insistiu o Figueiredo.

Quando o substituto do comandante da base chegou ao rádio, o coronel contou-lhe que havia em Maquela um civil gravemente ferido, que precisava de ser evacuado com a máxima urgência para Luanda. A resposta foi a que ele esperava:


- O senhor sabe muito bem que nós não evacuamos civism só militares - disse o aviador. - Além disso, não temos aviões capazes de fazer um tal voo até Luanda, a não ser aviões grandes, como os Nord-Atlas, que são aviões de transporte de tropas. Ora nós não vamos mobilizar um Nord-Atlas de propósito, só para transportar uma pessoa!

- Mas é um caso excecional, urgentíssimo! - insistiu o comandante do batalhão.

- Lamento muito, mas não podemos. O senhor sabe muito bem isso.

O coronel Figueiredo teve então uma ideia.

- Ouça lá! - chamou, antes que o outro desligasse o rádio. - Não está nas funções da Força Aérea a prestação de assistência às populações?

- Está, claro que está - respondeu o aviador. - Isso cai no âmbito da "psico"...

- Então pronto! - exclamou o coronel. - O homem é negro, é da população local... Pode ser evacuado!

- O senhor é terrível! Não desiste!

- Não desisto, não - respondeu o Figueiredo. 


- Está um homem a morrer e eu não vou desistir enquanto ele não for evacuado.

- Está bem, pronto, a gente evacua o homem e não se fala mais nisso, acabou! - cedeu finalmente o outro. - Mas é a primeira e última vez! Que não se volte a repetir!

- Espero que não, espero que não...

- Então fica assim: nós vamos entrar imediatamente em contacto com o nosso pessoal que está no aeródromo de manobra aí em Maquela, para que faça a iluminação da pista, e vamos já mandar um Nord-Atlas para aí.

O trabalhador ferido acabou finalmente por ser evacuado para Luanda, num avião Nord-Atlas.

De volta ao centro da vila, o comandante afirmou que o incidente ocorrido com o trabalhador tinha sido tão grave, que ia participar o caso à polícia, para que investigasse o que aconteceu. Um civil branco, que estava presente e que o ouviu, opôs-se firmemente à ideia, dizendo:

- Não vamos agora incomodar o senhor Lino por causa de um preto...

Perante a oposição manifestada pelo civil, o comandante desistiu da participação à polícia. O capitão Alvim disse-me que provavelmente tinha sido porque o Figueiredo temia ser prejudicado na sua carreira militar. O Lino era o homem mais rico de Maquela e podia ter conhecimentos suficientemente influentes, que pudessem prejudicá-lo junto das altas chefias militares em Luanda.

O capitão Alvim, por seu lado, que tinha asssistido a todos estes acontecimentos pessoalmente, sentiu-se profundamente revoltado com o sucedido e começou a emborcar whiskies atrás de whiskies. A dado momento levantou-se desvairado, entrou no seu jipe e arrancou sozinho a caminho do Béu, sem esperar pela escolta que o tinha acompanhado. Durante todo o tempo, dizia sem parar:

- Filhos da puta! Grandes filhos da puta! Quase mataram um homem à chicotada! E é para defender estes filhos da puta que eu estou aqui! Eu devia mas era desertar! "Não vamos incomodar o senhor Lino por causa de um preto", diz o gajo... Um preto é um homem, porra! Mas que grandes filhos da puta!

Era isto mesmo o que ele dizia quando chegou à Ponte do Zádi e foi isto mesmo o que ele repetiu, inúmeras vezes, enquanto me contou o sucedido.


Fernando de Sousa Ribeiro

Guiné 61/74 - P19484: Os nossos seres, saberes e lazeres (307): Viagem à Holanda acima das águas (11) (Mário Beja Santos)

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1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Outubro de 2018:

Queridos amigos,
Conheci este museu vai para 40 anos, nunca me saiu da recordação, é uma arquitetura Arte Déco de primeiríssima água, aqui se albergam obras essenciais de uma corrente artística que foi das mais empolgantes da arte mundial, por todo o século XX, De Stijl, rompeu com os cânones de uma arquitetura separada das artes plásticas ou do design de interiores ou das artes do mobiliário.
Com esta nova corrente, tudo se conjuga. Movimento que deixou escola, e sentimo-lo bem quando vemos obras de mobiliário concebidas por génios da arquitetura como Siza Vieira ou Souto Moura.
Era um dos mais desejados passeios nesta viagem pela Holanda. E o anseio foi satisfeito, com uma tal intensidade que apetece regressar já, a esse admirável mundo novo de uma inovação que percorreu todo o século XX.

Um abraço do
Mário


Viagem à Holanda acima das águas (11)

Beja Santos

É a despedida de Amesterdão, e o viandante guarda outra nota de humor de Bill Bryson, aquele que é considerado o autor de livros de viagens mais lido em todo o mundo, tem a ver com os holandeses e Amesterdão, diz que eles são parecidos com os ingleses no modo como estacionam os carros, no modo como colocam os contentores de lixo na rua e no modo como encostam as bicicletas contra a árvore ou o corrimão mais próximo. “Em Amesterdão limitam-se a abandonar os carros juntos do canal, muitas vezes à beira de caírem à água”. É uma cidade que tem uma grande história de tolerância, que prima pela arte de viver, o escritor português Rentes de Carvalho viveu em Amesterdão quatro anos e deixou relatos de profunda simpatia pela cidade, elogiando o poder de por ela vagabundear por ser calorosa e hospitalar. “Ao contrário de muitas outras metrópoles, Amesterdão parece ter conservado este sentimento de intimidade e segurança que são próprios das pequenas aglomerações. Talvez porque as ruas não são monumentais, talvez por causa dos seus canais sinuosos, talvez também por causa da sucessão incessante da água e da terra. Seja como for, a cidade tem qualquer coisa de atractivo, mesmo no coração do inverno, podemos ver os interiores das casas”. É essa a imagem que o viandante pretende guardar, talvez com aquela nesga de amargura de ter visto pouco, seria desejável permanecer mais tempo. Fica para a próxima, e sem mais comentários.



Um grande filósofo, Spinoza, com descendência portuguesa. Levou uma vida atribulada. Foi racionalista, o seu génio andou a par de Descartes e Leibniz. Fez imensas críticas ao texto bíblico, mesmo na cidade da tolerância, suscitou azedumes e repúdios. Tem nome consagrado na filosofia ocidental.



É a última fotografia de Amesterdão, a poucos metros do Rijks apanha-se o autocarro para Alphen. Amanhã é o dia para receber companhia do artista plástico do século XX que o viandante mais estima, Piet Mondrian, por isso se vai viajar até Haia.


Há uma forte razão sentimental para esta peregrinação, impossível descurá-la. Preparava-se o viandante para fazer programas televisivos, isto em 1978, e pediu à RTP para ir a Haia, à sede da Organização Internacional das Associações de Consumidores, buscar material. Assim aconteceu, viajou sábado de Lisboa até aqui, ao tempo era uma boa modalidade de fazer um brevíssimo roteiro turístico. E começou por aqui, domingo bem cedo, no Gemeentemuseum, a arquitetura é excecional, data de 1935, é um assombroso monumento da Arte Déco holandesa, a luz natural jorra por inúmeras janelas, não há escadas como aquelas, na elegância das linhas, o que atraiu o viandante foi Piet Mondrian, que continua a ser o patrono da casa, mas a coleção permanente é magnífica, aqui se encontram génios como Egon Schiele, Claude Monet ou Francis Bacon, tem cerâmica e moda do melhor, estava escrito: um dia inesquecível, como aconteceu.




Falar de Mondrian e deste portentoso edifício remete-nos para um dos mais importantes movimentos artísticos que emergiram no século XX: De Stijl, que incluía nomes como Piet Mondrian, Bart van der Leck, Gerrit Rietveld e Theo van Doesburg, juntaram-se à volta da publicação De Stijl, tinham o conceito de arte total, era uma abordagem de associação e aproximação de diferentes elementos como a arquitetura, as artes plásticas, o design e o mobiliário, introduziram uma rotura com o passado, embora estes artistas soubessem da existência do pensamento de um arquiteto de nome H. P. Berlage que já no fim do século XIX aspirava à conjugação de disciplinas para gerar uma nova dinâmica no modo de habitar e de viver. O resultado foi uma explosão artística que só viria a ser posta em causa quando os exércitos alemães irromperam nos Países Baixos, em abril de 1940.





Não falemos agora deste prodigioso De Stijl nem de Mondrian e companheiros, fica para a próxima, saboreie-se as artes decorativas, pormenores belíssimos de outras eras, encham-se os pulmões, De Stijl é uma manifestação em estado puro da pintura, a cor, a linha, a forma, tudo vai aparecer depurado mas confortável, o academismo e o classicismo iriam entrar em banho-maria. Virá mais tarde a contestação com os realismos totalitários e depois o neorrealismo, por um lado, e o abstracionismo e o não-figurativismo, por outra via. Mas isso é outra história.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 2 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19464: Os nossos seres, saberes e lazeres (306): Viagem à Holanda acima das águas (10) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19485: Parabéns a você (1573): José Brás, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 1622 (Guiné, 1966/68)

Guiné 61/74 - P19486: Efemérides (299): Homenagem aos 3 camaradas açorianos da CCAÇ 2444 e a 1 madeirense da CCAÇ 2446 que tombaram em Capó, na estrada entre Cacheu e Bachile, no dia 6 de fevereiro de 1969, no mesmo dia do desastre do Cheche, em que houve 47 baixas mortais (Jorge Araújo)

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Guiné > Região do Óio >  Jolmete (Fev1969) – O Manuel Carvalho, o Dandi e o Martins na chegada da "Op. Aquiles I", em que apanharam o RPG2 e mais três armas. (Dandi, natural de Jol, no "Chão Manjaco", era capitão da companhia de milícias do Pelundo. Foi agraciado com a Cruz de Guerra pelo Gen Spínola em 1972. Será fuzilado pelo PAIGC em 1975. [foto do camarada Manuel Carvalho - P18989 - com a devida vénia].



Jorge Alves Araújo, ex-Furriel Mil. Op. Esp./RANGER, CART 3494 
(Xime-Mansambo, 1972/1974)


HOMENAGEM AOS CAMARADAS AÇORIANOS E MADEIRENSES DA CCAÇ 2444 E CCAÇ 2446 QUE TOMBARAM EM CAPÓ: UMA EFEMÉRIDE COM CINQUENTA ANOS (6FEV1969 /6FEV2019)




1. INTRODUÇÃO



O dia 6 de Fevereiro de há cinquenta anos [1969], uma quinta-feira, está considerado na historiografia da Guerra do Ultramar, ou da Guerra Colonial, em particular no CTIG, como uma das datas mais dramáticas vividas pelas Forças Armadas Portuguesas, onde pereceram cinquenta e um militares, entre elementos do contingente europeu e do recrutamento local.


No caso do desastre da "Jangada de Ché-Che", na sequência da retirada das NT de Madina do Boé, envolvendo os camaradas da CCAÇ 1790, com vinte e seis mortos, da CCAÇ 2405, com dezanove, e mais dois do PEL Mil 149, totalizando, assim, quarenta e sete elementos naufragados no Rio Corubal.

Na narrativa hoje postada como efeméride – poste P19473 – retenho o que recordou o camarada José Martins sobre essa tragédia inesquecível afirmando ser "uma data indelével para os combatentes da Guiné e familiares dos militares que sucumbiram na catástrofe durante a travessia do Rio Corubal", ao mesmo tempo que referiu os seus nomes.

Porém, esta não foi a única ocorrência, com baixas, registada nesse dia 6 de Fevereiro de 1969. Uma outra aconteceu em Capó, situada na estrada entre Cacheu e Bachile, envolvendo a CCAÇ 2444 (Açoriana) e a CCAÇ 2446 (Madeirense). 



Dos combates travados com os guerrilheiros do PAIGC resultaram quatro baixas para as NT, sendo três da Companhia Açoriana e uma da Companhia Madeirense.






Carta de Teixeira Pinto (1961); Escala 1/50 mil). Posição relativa a Capó, na estrada entre Teixeira Pinto - Churo - Bachile - Capó - Cacheu [P11219, com a devida vénia].



No sentido de lhe/lhes prestarmos, de igual modo, as devidas e sentidas homenagens que aqui deixo um resumo histórico desses factos.



2.RESUMO HISTÓRICO DAS DUAS UNIDADES

2.1 – A COMPANHIA DE CAÇADORES 2444 (AÇORIANA)

Tendo como Unidade Mobilizadora o Batalhão de Infantaria Independente 18 [BII 18], de Ponta Delgada, a CCAÇ 2444, com a divisa "Coriscos", embarcou a bordo do N/M "Uíge", em 09Nov1968, tendo chegado a Bissau, onde desembarcou a 15 do mesmo mês, sob o comando do Capitão Miliciano de Infantaria João Duarte de Oliveira Abreu. 

Em 28Nov1968 seguiu para Bula e depois para Có, a fim de efectuar treino operacional com a CCAÇ 2402, sob orientação do BCAV 1915, de 01Dez1968 a 23Dez1968 e, seguidamente, na função de subunidade de reserva do Comando-Chefe, reforçar aquele Batalhão de Cavalaria na actuação naquela zona de missão. 

Em 28JaN1969 foi colocada em Cacheu, em reforço temporário do CAOP, com vista à realização de acções de contra-penetração naquela área (região), sendo então integrada no BCAV 1915 e depois no BCAÇ 2485, onde permaneceu até ser substituída pela CCAV 2487, em 29Mar1969, deslocando-se para Bissorã. [...] O embarque de regresso, por ter concluído a sua comissão, aconteceu em 20Ago1970, a bordo do navio "Carvalho Araújo".


2.2 – A COMPANHIA DE CAÇADORES 2446 (MADEIRENSE)

Tendo como Unidade Mobilizadora o Batalhão de Infantaria Independente 19 [BII 19], do Funchal, a CCAÇ 2446, com a divisa "Alea Jacta Est", embarcou a bordo do N/M "Uíge", em 11Nov1968, tendo chegado a Bissau, onde desembarcou a 15 do mesmo mês, sob o comando do Capitão Miliciano de Infantaria Manuel Ferreira de Carvalho. 

Em 04Dez1968, foi colocada em Cacheu, a fim de render a CCAÇ 1681 e assumiu a responsabilidade do respectivo subsector em 07Dez1968, ficando integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 2845, e depois do BCAV 2868, com um pelotão destacado em Bachile, desde 29Nov1968 a 24Abr1969. 


[…] O embarque de regresso, por ter concluído a sua comissão, aconteceu em 01Out1970, a bordo do N/M "Uíge".


2.3. AS OCORRÊNCIAS CONTADAS POR AQUELES QUE PARTICIPARAM NA OPERAÇÃO AQUILES I


Instalado a partir de 27Jan1969 em Teixeira Pinto, o CAOP foi organizado para cumprir a missão de orientar as suas actividades operacionais de modo a intensificar o esforço de aniquilamento sistemático dos grupos inimigos que exerciam pressão directa sobre o «Chão Manjaco», na região de Pecau-Churo-Caboiana-Pelundo-Jol. 

Em função das missões atribuídas às diferentes forças no terreno pelo comando do CAOP de Teixeira Pinto, no dia 6 de Fevereiro de 1969 deu-se início à Operação Aquiles I, na qual participaram diversas Unidades, entre elas a CCAÇ 2444, a CCAÇ 2446 e a CCAÇ 2366, de Jolmete (1968/1970), dos camaradas tertulianos Manuel Carvalho e João Rebola (1945-2018) - poste P11384.

Recupero, a esse propósito, as informações dadas pelo camarada Manuel Carvalho (ex-fur mil da CCAÇ 2366, de Jolmete, acerca das ocorrências com a CCAÇ 2444 (Açoriana) e com a CCAÇ 2446 (Madeirense):

"Em 6 de Fevereiro de 1969, começou a Op Aquiles I que se prolongou até 14 seguinte. Logo no primeiro dia, 6 de Fevereiro, a CCAÇ 2444 teve três mortos e um guia civil e três feridos e a CCAÇ 2446 teve um morto e um ferido e o Pel Mil 130 quatro feridos. 


"Pela nossa parte, a CCAÇ 2366, julgo que tivemos um ferido e um dia apanhámos um RPG2 e três armas, mas estávamos a ver que as munições não chegavam para abrir caminho para o quartel." (…) (Poste P11219).


Mortos da CCAÇ 2444 (Açoriana):


● Manuel de Amaral Carneiro, Fur Inf; natural de São José, Ponta Delgada; solteiro.

● José Bento Pacheco Aveiro, Soldado; natural de Nordeste, S. Miguel; casado.

● Manuel dos Santos Costa Almeida, Soldado; natural de Arrifes, Ponta Delgada; solteiro.

Mortos da CCAÇ 2446 (Madeirense):

● Manuel Brás Catanho Ribeiro: 1.º Cabo; natural de Ribeira Seca, Machico; solteiro.


Um outro depoimento é-nos dado pelo camarada João Carlos Resendes Carreiro, ex-alf mil da CCAÇ 2444, a propósito da efeméride dos quarenta anos [2009], publicada no «Correio dos Açores» e repetida no blogue – P11209. 

Eis o que viu e sentiu naquele dia 6 de Fevereiro de 1969:

"Faz hoje 40 anos [agora, cinquenta] que numa emboscada na Guiné, morreram os militares de saudosa memória do furriel Manuel Carreiro (o Mani, filho do então Director do Diário dos Açores), o soldado José Aveiro (do Nordeste) e o soldado Manuel Almeida (o triclinas do Outeiro dos Arrifes).

Eram 7 horas da manhã, a luz do dia já começava a aparecer, mas a densidade do nevoeiro (cacimbo) mal deixava ver as palmeiras e restante vegetação à nossa volta.

Estávamos na zona de Capó, entre o Cacheu e Bachile, uma curva na estrada, com bolanha dos dois lados. Uma rajada de metralhadora deu cobertura à saída de uma bazucada que atingiu a zona do estômago do Mani, de uma maneira fatal. 

O tiroteio entretanto prosseguiu, a minha espingarda [G3] foi atingida de modo que o carregador ficou todo estilhaçado. O Graça, que ficou gravemente ferido, começou a gritar que tinha a perna despachada, quando levantei a cabeça, para ver o que se passava, uma rajada levantou o pó da estrada, qual cena do Far West.

O furriel Mani e o José Aveiro eram do pelotão que eu comandava, como alferes, faziam parte da 3.ª secção, que naquela hora estavam a passar para a frente. Quando o meu pelotão ia na frente rodávamos de 2 em 2 horas de secção, eu costumava ir na secção da frente, porém ainda não tinha dado tempo, eles ainda estavam a passar. Só me recordo de estar deitado na valeta da estrada, no meio do fumo da pólvora e cheiro a sangue que não vou esquecer nunca.

Passados 40 anos quero recordar aqui estre três jovens, de 22 anos [mais um da CCAÇ 2446], que deram a vida pela pátria, a 6 de Fevereiro de 1969, a cumprir o seu dever de cidadãos. (…) Tínhamos todos 22 anos, tão jovens, mas que adultos que éramos assumíamos responsabilidades de gente adulta e madura.

Um dia ver-nos-emos, vocês não morreram, passaram a viver de outra maneira!"

Ass. João Carlos Resendes Carreiro.



Relatório da «Operação Aquiles I» publicado pelo CAOP em Teixeira Pinto, p187 – P11392 (Manuel Carvalho), com a devida vénia.




Aos camaradas que pereceram no Rio Corubal, na "jangada de Ché-Che, e aos que tombaram na região de Capó, no "Chão Manjaco" [Oio], agora recordada, aqui deixo a minha mais sentida homenagem, extensiva às suas famílias.

Jorge Araújo.

06Fev2019


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Nota do editor:

Último poste da série > 6 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19474: Efemérides (298): A minha homenagem às 47 vítimas da tragédia do Cheche, há 50 anos, os mortos da CCAÇ 2405 / BCAÇ 2852 e os mortos da CCAÇ 1790, do meu batalhão, BCAÇ 1933: que Deus e a Pátria jamais os esqueçam (Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, CCS / BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)

Guiné 61/74 - P19487: Blogpoesia (607): "Nevoeiro em Lisboa", "Lapinho de carvão" e "Passear por Lisboa", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

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1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados, entre outros, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Nevoeiro em Lisboa

Uma manta espessa cobre o rosto de Lisboa.
O sol adormeceu e se esqueceu de nascer.
As gaivotas apardaladas não enxergam um metro à sua frente.

Roncam frenéticas as sirenes. Ninguém atravessa o rio.
As ruas entupidas fecham suas portas ao movimento.
Uma paralisia assustadora paira sobre as colinas.
Ninguém sabe se o Castelo ainda lá está.
Os lampiões das avenidas parecem pirilampos.
Os eléctricos colaram-se aos trilhos com medo de avançar.

Já há quem suplique ao Criador que o sol apareça e ponha fim a este inferno de apagão.

Ouvindo Madredeus - O Pastor

Berlim, 7 de Fevereiro de 2019
8h28m
Jlmg

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Lapinho de carvão

Não jogues fora o lápis pequenino de carvão.
Afinal se consumiu para te acompanhar na arte de escrever.
Linha longa ele escreveu em rabiscos sinuosos.
Com vontade de dizer o que te ia na alma.
Desde o local e a data que puseste na primeira linha do teu caderno.
Até ao teu nome que ele respeitou.
O seu a seu dono.
E nada cobrou.

Sofreu golpes de navalha fina.
Para riscar melhor.
Se despojou de ser.
Como o sol que se vai deitar.

Agora, quase chora da pequenês.
Só não espera que o deites fora.

Berlim, 9 de Fevereiro de 2019
20h13m
Jlmg

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Passear por Lisboa

Privilégio quase divino poder deambular por Lisboa em doce liberdade.
Haurir a frescura da sua brisa, agridoce,
Que lhe vem do mar pelo Tejo acima.

Saborear o azul do céu, como não se vê noutro lugar.
Passear na Baixa, desde o Rossio até ao rio.
Aquelas ruas a fervilharem de restaurantes onde o bacalhau com grão é rei.
Trepar o elevador do Chiado e alcançar ao longe o desfraldar do Alentejo.
Mirar o Castelo no seu esplendor, um açafate carregado de verdura.
Vaguear sobre o casario de telha rubra, como se fosse um condor em majestade.

Poisar na Sé da mouraria e agradecer a Deus por tanta beleza.
Tomar um ronceiro cacilheiro e poder mirar Lisboa da outra banda, como é bela, de Belém até à Gare do Oriente.

Ouvindo Concierto de Aranjuez - II. Adagio - Pablo Sáinz Villegas – LIVE

Berlim, 5 de Fevereiro de 2019
6h5m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 3 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19465: Blogpoesia (606): "O Fado de Lisboa", "Acridoces..." e "Meu pensamento", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P19488: Álbum fotográfico de João Sacôto, ex-alf mil, CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como, Cachil, 1964/66) e cmdt da TAP, reformado - Parte II: Chegada a 15/1/1964 e estadia em Bissau durante cerca de 2 meses

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Guiné > Bissau > Dia 15 de Janeiro 1964 > Chegada ao Cais Pidjiguiti. > A CCAÇ  617 ficou durante algum tempo, cerca de dois meses,  alojada no Quartel General em Santa Luzia e a depender operacionalmente do BCAÇ  600, efectuando patrulhas várias e acções de "psico-social" junto das populações em Ponta Negado, Ponta California, Binar, Bucomil, Ponta do Biombo, Quinhamel, tendo ainda uma parte da companhia, tomado parte na Operação Tridente,  na Ilha do Como (jan-mar 1964).



Guiné > Bissau > Dia 15 de Janeiro 1964 > Aproximação do N/M Quanza  à cidade de Bissau.


Guiné > Bissau > C. janeiro/ março de  1964 >  Praça do Império e o palácio do Governador


Guiné > Bissau > c. janeiro / março de 1964 > Av da República


Guiné > Bissau > c. janeiro/março de  1964 >  Piscina da messe de oficiais no QG,em Santa Luzia

Fotos (e legendas): © João Sacôto (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O João Sacôto {, João Gabriel Sacôto Martins Fernandes, de seu nome completo,] foi alf mil da CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66). Trabalhou depois como Oficial de Circulação Aérea (OCA) na DGAC [Direção Geral de Aeronáutica Civil]. Foi piloto e comandante na TAP, tendo-se reformado em 1998.

Estudou  no Instituto Superior de Ciencias Económicas e Financeiras (ISCEF, hoje, ISEG) . Andou no Liceu Camões em 1948 e antes no Liceu Gil Vicente. É natural de Lisboa. É casado. Tem página no Facebook (a que aderiu em julho de 2009, sendo seguido por mais de 8 dezenas de pessoas. É membro da nossa Tabanca Grande desde 20/12/2011.

 Continuação da publicação do seu álbum fotográfico: chegada a Bissau, em 15/1/1964. Aqui esteve cerca de 2 meses, na dependência do BCAÇ 600. Parte da companhia ainda irá participar na Op Tridente, na ilha do Como (jan-março de 1964).

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Guiné 61/74 - P19489: A Galeria dos Meus Heróis (21): O "Duque de Palmela" ou o pão que o diabo amassou - Parte I (Luís Graça)

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Luís Graça, ex-fur mil, CCAÇ 12,
 Contuboel, junho de 1969
A galeria dos meus heróis > O “Duque de Palmela” ou o pão que o diabo amassou 



por Luís Graça




1. “Duque de Palmela” foi alcunha que lhe puseram na tropa. Muitos militares tinham como alcunhas os nomes das terras donde provinham. Assim era mais rápido distinguir os Silva, os Santos, os Ferreiras, etc. , em cada pelotão ou companhia. E sempre era mais fácil que fixar o número mecanográfico…

O Santos, antigo 1º cabo, emociona-se quando fala da Guiné. Dos camaradas que lá ficaram, uma boa meia dúzia. Dos que regressaram e que ele nunca mais voltou a ver. Da fome que passaram. Dos “embrulhanços”, das emboscadas no mato, das minas nas colunas logísticas, nos ataques e flagelações aos aquartelamentos,  destacamentos e tabancas… Do pão que amassou e cozeu em fornos, às vezes improvisados… E, claro, das “beijudas”… E ainda da sorte que, afinal, só teve na guerra, ao trocar a G3 pela pá de padeiro…

Ainda se emociona-se, enfim, quando fala da sua infância e adolescência, marcadas pela pobreza e pela orfandade.

− Camarada, comi o pão que o diabo amassou!


2. Nasceu nas fraldas da serra da Arrábida, perto da Quinta do Anjo, no concelho de Palmela. O pai, J. Santos, era de origem beirã, nascido em Gouveia. Fixou-se por ali, com a família, no início dos anos 30. Era pastor, quando, no período da II Guerra Mundial, fui chamado a cumprir o serviço militar obrigatório. Mobilizado pelo RI 7, em Setúbal, esteve como expedicionário, na ilha do Sal, em Cabo Verde. Passou fome e sede, apanhou o escorbuto e nunca mais ficou bom dos pulmões. Regressou em 1943, casou em 1944, e teve o seu primeiro filho em 1945. O nosso herói.



3. Filho e neto de pastores, o J. Santos pastor continuou a ser, em regime de parceria pecuária. Tinha um rebanho de ovelhas que não era seu, era do patrão, um fabricante de queijo de Azeitão, um dos fundadores da cooperativa local em 1945.

No final do ano tinha direito a algumas crias que podia vender, mais tarde, como borregos, machos, em especial na altura da Páscoa, em que havia maior procura. O seu salário-base era uma miséria. Nunca conseguiu chegar a ter um rebanho seu.

Analfabeto, descobriu, por si mesmo, a importância que era saber ler, escrever e contar. Em Cabo Verde, tinha que pedir ao seu 1º cabo, um rapaz de Sesimbra, para lhe ler as cartas que recebia da namorada e dar-lhe a resposta na volta do correio.

Quando voltou à terra e casou, jurou a si mesmo que os seus filhos, se fossem machos, teriam que ir à escola, custasse o que custasse. Só teve rapazes e todos fizeram a 4ª classe, ou andavam na escola quando ele morreu, cedo, aos 38 anos, com a “doença dos pulmões" que trouxera da ilha do Sal.

Deixou viúva e 4 filhos menores. Estamos em 1958, o ano do ciclone político chamado general Humberto Delgado. Salazar continuaria sentado na cadeira do poder, mas o país nunca mais voltaria a ser o mesmo: no final dos anos 50 tinha começado a grande debandada rural…


4. O “Duque de Palmela”, o M. Santos, era o mais velho dos quatro irmãos. Tinha 13 anos. A mãe, viúva, ficou desamparada. Pouco ou nada tinha de seu. Vivia num casebre, com cobertura de colmo, numa propriedade do patrão e, por esmola, lá continuou a viver com um pequeno pedaço de horta que lhe dava uma mancheia de batatas e couves…

Naquele tempo não havia Segurança Social. A não ser para uma minoria de trabalhadores da indústria e serviços, cobertos pelas caixas de previdência, criadas no âmbito do sistema corporativo do Estado Novo. Os portugueses estavam divididos em três categorias sociais, conforme o rendimento: pensionistas, porcionistas e… indigentes. Só estes, uma espécie de párias, tinham direito a internamento hospitalar gratuito nos hospitais públicos, que de resto se contavam pelos dedos… Hospital queria dizer.  até então, local onde se acolhem doentes pobres. Só os pobres iam para os hospitais para serem tratados e, em muitos casos, morrer. Os ricos tratavam-se e morriam em casa.


5. O “Duque de Palmela” pegou numa sacola de serapilheira e aos treze anos, “homem já feito”, não teve outro remédio senão o de estender a mão à caridade, metendo-se ao caminho para arranjar o sustento da família.

− Não tenho vergonha de o contar aos meus netos que hoje vestem roupas de marca, e têm, cada um, o seu carro: uma rapariga que ainda anda na universidade e um rapaz, que já ajuda o pai, na administração da Panificadora, depois de tirar o curso de gestão hoteleira.

Bateu casais e aldeias nas fraldas da serra, desde Azeitão e Quinta do Anjo até à vila de Palmela. Ao fim do dia sempre havia algum pão, queijo, chouriço, toucinho, etc., para fazer o caldo, e meia de dúzia de tostões, para além da fruta e legumes que ia surripiando, aqui e acolá, à beira dos caminhos.

− Os meus netos, uma vez, espantados, perguntaram-me se eu tinha passado fome… E eu respondi-lhes: ‘Não, meus queridos, eu, a vossa avó e os vossos tios não morremos de fome, graças a Deus… mas passámos muitas necessidades’… O que é diferente.

E em jeito de conclusão, acrescentou:

− A roupa que tínhamos no corpo, aos mais novos, que ainda andavam na escola, valeu-nos a distribuição do pão, queijo e leite da Cáritas, para além do vestuário e do calçado em 2ª mão. Mas eu, aos 13 anos, fiquei conhecido com o “pé descalço”, porque as únicas botas que tinha, no tempo do meu pai, deixaram-me de servir…

− Camarada Santos, quantas histórias iguais à sua não poderiam contar muitos de nós que passámos pela Guiné ? Éramos um país de pobreza envergonhada! – interrompi eu.

− Diz bem, camarada, pobreza envergonhada!... Nos primeiros dias e semanas, custa muito um gajo estender a mão à caridade dos outros.. E eu já não era uma criança inocente… Corava de vergonha e baixava os olhos quando eram raparigas ou jovens mulheres que me vinham abrir a porta…


6. Depois a mãe pô-lo a trabalhar, por volta dos 14 anos. Teve vários ofícios. Andou a trabalhar à jorna no campo, na debulha do trigo, e foi aprendiz de moleiro. Só não quis ser pastor como o pai. Na altura cultivava-se muito cereal por aquelas bandas, e não faltavam moinhos de vento.

Até que por volta dos 16 anos arranjou trabalho como ajudante de forneiro numa panificadora, no concelho vizinho do Seixal. Comprou uma “pasteleira” em segunda mão, ia e vinha todos os dias de bicicleta, com sol ou com chuva… Cerca de 25 quilómetros, ida e volta.

Ainda se cozia o pão a lenha, nessa época, só mais tarde vieram os fornos a eletricidade e depois a gás. A ver os colegas a amassar, a estender a massa, a cortar e a enfornar, depressa aprendeu o ofício de padeiro. De resto, a sua mãe também fazia pão em casa, com sobras da farinha do moleiro ou da Cáritas. Foi com ela que aprendeu mais alguns pequenos segredos da arte de padeiro.


7. Aos vinte anos foi chamado para a tropa, já a guerra tinha rebentado em Angola, e depois na Guiné e em Moçambique. Pela primeira vez, saiu da região: a viagem que tinha feito mais longe fora até Setúbal. Lisboa ficava na outra margem do rio, e ele nunca tinha andado de barco. Mas longe era ainda o Porto, aonde se chegava de comboio.

Deram-lhe a especialidade de atirador de infantaria, foi mobilizado para a Guiné, formou companhia no Campo Militar de Santa Margarida. E numa madrugada fria de inícios do ano de 1966 chegou de comboio ao Cais da Rocha Conde de Óbidos para embarcar, com a sua companhia, independente.


8. Na instrução da especialidade, o M. Santos foi o primeiro classificado em quase tudo. Ninguém o batia na carreira de tiro, com a G3, nem os oficiais do quadro permanente que vinham da Academia Militar, e que tinham muito mais treino. Nas provas físicas, era o campeão. Fazia um crosse de 30 quilómetros, quase a brincar, deixando a “concorrência” a grande distância. Baixo, entroncado, com um boa caixa de ar, era o típico militar português, de origem rural, capaz de sobreviver a muitas provações e até desaires. Vaticinava o segundo comandante da companhia, que tinha feito o “curso de operações especiais” de Lamego, ao mesmo tempo que evocava o exemplo do "Palmela" (mais tarde, já no barco, "Duque de Palmela"):

− Na hora do combate, debaixo de fogo inimigo, o “Palmela” será o primeiro a reagir, de pé, sem medo, o peito feito às balas… Nos ataques ao quartel, será o primeiro a saltar para as valas e a varrer o inimigo na orla da mata, ou junto ao arame farpado…

− E assim foi – confirmou o “Duque de Palmela” −, na primeira emboscada que tivemos na primeira ou segunda coluna logística, uma vez que fomos buscar mantimentos a Buba, eu fui o único que fiz fogo de pé… Valeu-me o capitão, a meu lado, que me obrigou a amochar os cornos… E no primeiro ataque a um dos nossos destacamentos, fui e o capitão que manobrámos o morteiro 81, o capitão punha as granadas e eu aguentava o tubo com o ombro… No meio daquela confusão toda, não tínhamos o tripé, só o prato…

Se fosse furriel ou alferes, o “Duque de Palmela” tinha-se oferecido para os comandos.

− Chumbaram-me nos psicotécnicos, não sei porquê. Com números e letras é que nunca fui bom na tropa. Tirei a 4ª classe à rasquinha, não tenho vergonha de o dizer.

− E para os paraquedistas ? – atrevi-me eu a sugerir.

− Para os paraquedistas, nem pensar. Nunca me deu bem com as alturas! – explicou ele.


9. Ainda em Santa Margarida foi abordado por um oficial, português, com brilhante currículo em África, um dos heróis de Angola em 1961. O Santos disse-me o nome, mas por razões óbvias não o vou aqui citar. Andava ele, mais um cabo miliciano, e um primeiro sargento, a recrutar futuros voluntários para a Rodésia, a África do Sul e sobretudo o  Vietname.

− 'No caso de regressares com vida e saúde, como esperamos, finda a tua comissão na Guiné, tens aqui o meu contacto. Podemos fazer um pré-contrato. Se quiseres, assinas, sem compromisso’… Esperamos por ti! − disseram-me eles.


Para o “Duque de Palmela” era a sua “independência económica, o prémio da lotaria que nunca lhe calhara, porque também nunca tivera dinheiro para jogar”!, exclamou ele, com um brilhozinho nos olhos.

Sobretudo, no Vietname, um 1º cabo de infantaria era capaz de ganhar tanto ou mais do que um capitão na Guiné, garantia-lhe um dos engajadores.

Começou a fazer contas por alto, e a ficar baralhado com os números. A cabeça nunca mais teve sossego. O risco era “um gajo lerpar e ficar por lá”. Mas isso também podia acontecer na Guiné, logo aos primeiros tiros. Era só preciso “confiar na estrelinha da sorte” e “rezar, todas noites, ao anjo da guarda”…

Confessou-me que nessa altura nunca ou raramente pensava na morte.

− Quando um gajo tem 20 ou 21 anos, não pensa sequer na morte. Tem a vida toda à frente dele. E nem sequer é capaz de imaginar o sofrimento daqueles que o amam… e que estão longe!

Por outro lado, quando embarcou em Lisboa, com destino à Guiné, os seus sentimentos eram muitos diferentes da maioria dos seus camaradas:

− Para alguns dos meus camaradas, era como ir para a forca! Houve quem chorasse baba e ranho. Havia-os já casados e com filhos… Mas, para mim, não!... Não vou dizer que fiz uma festa a bordo, mas não conseguia esconder que estava algo excitada com a ideia de ir para a a guerra, a milhares de quilómetros de casa.

− Excitado ?!... Mas com saudades, não ?!...

− Claro, tive saudades da minha mãe e irmãos, ficaram cá dois para ajudá-la. O outro, a seguir a mim, já tinha cavado para França, e mandava-nos algum dinheiro.

E depois fez-me uma confidência:

− Nunca contei isto a ninguém, muito menos à família. Eu parecia um puto a quem deram um brinquedo, neste caso a G3. Mal comparado, era como o cão de caça, excitado pela algazarra dos homens e animais, antes dos caçadores e das matilhas largarem para a caça…

−É caçador, o camarada ?

− Tenho poucos vícios, mas este é um deles…

− Em suma, convenceram o camarada de que era um bom soldado e um grande português!

− E era, sem peneiras! Oxalá todos fossem como eu, ontem e ainda hoje! A vida foi-me madrasta até aos vinte e tal anos, mas depois compensou-me. Posso bem dizê-lo: passei um terço da minha vida, até aos vinte e tal anos, a viver mal, a comer o pão que o diabo amassou… E os outros dois terços a viver menos mal, graças a Deus. Claro, a trabalhar 12 horas e mais por dia na Panificadora…


A sua ideia fixa era ganhar dinheiro, "manga de patacão",  para depois montar o seu negócio quando voltasse:

− Estava a apontar lá para os 30 anos… Nessa altura, arrumava a farda, a espingarda automática, as cartucheiras e as botas… Regressava à terra, casava-me, constituía família, tornava-me um gajo decente, comprava um carro… Abria um café com fabrico próprio de pastelaria, em Palmela…


10.Está grato a duas pessoas que lhe tiraram da cabeça “essa maldita ideia de ir para o Vietname”. Estava a ser uma obsessão. Nos primeiros tempos de Guiné, não se coibiu de partilhar o “segredo” com alguns dos seus camaradas mais próximos. Não sabe bem porquê, nem exatamente quando, começou a convencer-se de que poderia ficar “rico” se enveredasse pela vida de “mercenário” ou “legionário”. Impacientava-se, ainda tinha quase dois anos pela frente até acabar o raio da comissão na Guiné. 


Chegou a mesmo a arquitetar um plano para “desertar”, fugindo pela Guiné-Conacri. Afinal, a fronteira era ali tão perto. Bastava, numa noite de luar, ir à tabanca, e não voltar ao quartel, despedir-se da sua “beijuda” e, por volta das 3 da madrugada, rezar ao seu anjo da guardar e… zarpar!

Começou a estudar os trilhos que levavam à fronteira e que eram conhecidos dos gilas, os comerciantes ambulantes. O problema é que não tinha nenhum mapa do país vizinho. E depois havia a língua, as comunicações, os transportes, os papéis, o risco de ser apanhado pelo PAIGC ou pelas autoridades da Guiné-Conacri… 


E depois, como é que voltaria a contactar o grupo dos engajadores, que de resto eram portugueses e militares do exército português?!... Que história é que ele lhes iria contar ? … Por outro lado, o currículo da Guiné, em zona de guerra, era fundamental para fazer currículo e se poder alistar amanhã num exército estrangeiro… E. por certo, eles não iriam querer um “desertor”…

O seu sonho começou a cair por terra, como um castelo de cartas, à medida que se avolumavam as dificuldades para o pôr em prática… Começou a ter problemas de “consciência” e a “dormir mal”: desertar era virar as costas aos seus camaradas de armas, alguns dos quais eram já seus amigos do peito. E, se fosse apanhado, pelo lado português, tinha a vida estragada, apanhava uma porrada, uns bons anos de prisão… Até o poderiam fuzilar, alguém lhe tinha dito que, numa situação de guerra, podiam levar um desertor a um tribunal de guerra, condená-lo à morte e fuzilá-lo, sem apelo nem agravo… 


Enfim, a coisa estava a tornar-se feia…

Na altura tinha várias madrinhas de guerra, mas havia uma com quem simpatizava mais. Era alentejana, “ali de Santiago do Cacém”.

− Olhe, acabaria por ser a minha senhora… Casámo-nos passado um ano e tal, do meu regresso da Guiné. Foi ela quem me tirou da cabeça essa “ideia maluca” de ir para o Vietname. Também me falavam da ‘Legião Estrangeira’ mas os sacanas dos franceses pagavam pior que os americanos..


11.E a outra pessoa a quem ele ficou “grato para o resto da vida”, foi o capitão, o seu comandante de companhia.

Era miliciano, tinha pelo menos dez anos a mais do que a maioria dos graduados da companhia, os alferes e os furriéis. Nunca confessou a ninguém o que pensava daquela guerra, mas estava lá porque fora “obrigado como a grande maioria do pessoal”… 


Aceitou a missão de comandar aqueles 160 homens e jurou, perante eles, todos formados na parada do Campo Militar de Santa Margarida, na véspera de partirem para o embarque, fazer tudo para os trazer de volta, sãos e salvos, de regresso a casa e às suas famílias…

Sabia-se pouco sobre ele e a sua vida, se era casado, se tinha filhos, o que fazia na vida civil… Não era pessoa de muitas falas… Mas a verdade é que nunca se deixou imntimidar quer pelo inimigo quer pelos superiores hierárquicos. Soube sempre defender, tanto quanto possível, os interesses e os bem-estar dos seus homens, pese embora a companhia ter feito uma boa parte da comissão, às ordens do batalhão de Buba.

− E lá, fomos carne para canhão!... O primeiro ano foi duro… E tivemos os primeiros mortos… Depois ficámos em quadrícula, espalhados por alguns destacamentos e a ajudar a reforçar a autodefesa de algumas tabancas fulas da região do Forreá.

O capitão acabou por saber do “segredo de Polichinelo” do “Duque de Palmela”… Às tantas só faltava publicar na “ordem de serviço” um requerimento dele a pedir a autorização para se alistar nas tropas do Tio Sam…

Como o capitão o achava “temerário”, para não dizer "prematuramente apanhado do clima”, na melhor ocasião retirou-o do 1º pelotão, com o acordo expresso do respetivo alferes com quem, de resto, o nosso 1º cabo, o “Duque de Palmela”, não fazia “farinha”…

− ‘Antes que o gajo faça alguma maluqueira e nos estrague a vida a todos’ – terá dito, na altura, o capitão.

Sabendo da sua profissão na vida civil, pôs o “Duque de Palmela” na padaria. Para qualquer outro no seu lugar, seria um prémio, uma promoção. Mas, para o nosso homem, foi uma tremenda desconsideração, quase uma despromoção… Padeiro era básico, tal como o cozinheiro… Nessa noite apanhou uma “cadela de todo o tamanho”…

− … Mas no dia aprazado já lá estou eu, no meu posto, a substituir o padeiro que, vim a saber mais tarde, tinha ido para a ‘guerra do ar condicionado’ em Bissau…

De facto, fora pai, e logo de dois gémeos. Alguém meteu uma cunha à Cilinha, a patroa do Movimento Nacional Feminino. E o rapaz lá continuou padeiro mas no “bem bom”, no… quartel de Santa Luzia, em Bissau.


(Continua)



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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P19490: Notas de leitura (1149): O litígio entre Portugal e a ONU (1960-1974), por António Duarte Silva; Revista Análise Social, n.º 130, 1995 (Mário Beja Santos)

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1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Outubro de 2016:

Queridos amigos,
O artigo tem 20 anos, mas ganhou poucas rugas, o que destaca é história diplomática consolidada: o sopro anticolonial que muda de feição e volume em 1960, a diplomacia de Salazar ficará doravante em minoria, mas inicialmente vai resistindo; depois a guerra alastra e surge um interlocutor muitíssimo incómodo, Amílcar Cabral; a partir de Marcello Caetano, a Guiné apresenta-se como um espinho à política de Lisboa, em toda a cena internacional. O pano vai baixar quando a Guiné-Bissau declara a sua independência unilateral, mesmo os mais otimistas sabiam que o destino estava selado.
António Duarte Silva ao longo de cerca de 50 páginas analisa as diferentes fases do conflito, deixa bem claro que aos poucos o Império Colonial Português perdera praticamente todo o apoio.

Um abraço do
Mário


O litígio entre Portugal e a ONU (1960-1974), por António Duarte Silva

Beja Santos

Quando nos debruçamos sobre as realidades da guerra colonial, nem sempre cuidamos dos acontecimentos que ocorrem em simultâneo na frente diplomática. Mesmo antes de eclodir a guerra em Angola, o governo português passou a ser confrontado por incómodas perguntas de cunho anticolonial, chegavam do Palácio de Vidro e foram um barómetro ao longo de 15 anos de litígio de como a posição diplomática portuguesa foi enfraquecendo até ao isolamento quase total. O longo estudo publicado por António Duarte Silva na revista Análise Social, n.º 130, 1995 contextualiza as diferentes fases por que passou tão decisivo litígio. Como diz o autor que distingue seis períodos de litígio, o estudo demonstra como a ONU tentou, primeiro, entre 1961 e 1963 impor-se a Portugal e como este resistiu; de 1964 a 1967 assistiu-se a uma fase de escalada e impasse. Depois da substituição de Salazar, a ONU ensaiou uma via mais moderada, cujo fracasso a levou a tomar medidas sucessivamente mais radicais; após o 25 de Abril, apesar de Portugal ter reconhecido o direito à descolonização e as suas obrigações perante a Carta, a ONU desempenhou um papel secundário e marginal na descolonização portuguesa.

Estamos na paz fria (1956-1960), em 14 de Novembro de 1955 Portugal adere à ONU num cenário de peripécias da Guerra Fria, nesse mesmo dia foram admitidos a Albânia, Bulgária, Cambodja, Ceilão, Finlândia, Hungria, Itália, Jordânia, Laos, Líbia, Nepal, Roménia e Espanha. Em Fevereiro do ano seguinte, o Secretário-Geral enviou ao governo português uma carta perguntando “se administra territórios que entrem na categoria indicada no artigo 73.º da Carta?”. Seis meses depois, o governo português respondia: “Portugal não administra territórios que entrem na categoria indicada no artigo 73.º da Carta”. Começava abertamente o desafio à corrente política mundial, os ventos sopravam anticolonialismo. Salazar não admitia interferências alheias. Perante esta resposta negativa, um conjunto de países subscreveu uma proposta onde se propunha a criação de um comité especial incumbido de estudar esta matéria, além de mais, a Assembleia continuava a considerar as questões relativas ao artigo 73.º como questões importantes, sujeitas à regra da maioria de dois terços, o que descansou Salazar. Mas tudo se vai alterar radicalmente em 1960 com a independência de 18 novos Estados. Na ONU a relação de forças inverte-se, consolida-se uma maioria favorável à descolonização e mesmo os EUA e Reino Unido modificam a sua política, deixando de votar com Portugal.

A política diplomática portuguesa não mais teve descanso, à luz do artigo 73.º, os relatórios sucedem-se aos relatórios sobre autodeterminação, territórios não autónomos, colónias. E no final de 1960, a Assembleia-Geral aprova uma resolução que deixa claro que os territórios sob administração de Portugal eram não autónomos.

De 1961 a 1963 vão chover resoluções na órbita dos acontecimentos de Angola e exige-se a Portugal o reconhecimento imediato do direito dos povos dos seus territórios não autónomos à autodeterminação e independência, com a retirada das forças militares. Começa a luta armada na Guiné e o tom das resoluções endurece: rejeita-se categoricamente o conceito português de províncias ultramarinas; considera-se que a situação nesses territórios perturbava seriamente a paz e a segurança em África; solicitava-se que nenhum Estado facilitasse a repressão ou a ação militar portuguesa naqueles territórios. Salazar responde com o seu discurso de 12 de Agosto de 1963, fecha todas as portas a nível internacional e dramatiza: “nós havemos de chorar os mortos se os vivos os não merecerem”. O isolamento é iniludível, Salazar volta-se para a África do Sul, propõe cooperação. Vão fracassar todas as conversações mediadas pela ONU, mesmo os planos propostos pela administração norte-americana. E no fim do ano 1963 cresce o endurecimento da ONU. Os termos do conflito entre a ONU e Portugal assentavam em três críticas principais: respeito da Carta, observância dos direitos humanos e ameaça à paz e à segurança internacionais. Portugal joga com a sua posição na NATO, mas o cerco diplomático tem vários nomes: o grupo afro-asiático, o bloco comunista, o grupo latino-americano, os europeus que não foram potências coloniais, os EUA, o Reino Unido, a França, a Espanha e a África do Sul. O Brasil de Jânio Quadros e de João Goulart aproximou-se dos Estados afro-asiáticos, os Estados europeus não coloniais apelam a uma descolonização bem-sucedida, a posição dos EUA conhecerá um momento de grande crispação na presidência de Kennedy, doravante terá os seus matizes e até cumplicidades, a RFA e a França não esconderão serem importantes parceiros comerciais portugueses com estreitas relações diplomáticas e militares. Amílcar Cabral, por via da Comissão de Descolonização, traz mais dor de cabeça a Lisboa: denuncia a ajuda militar da NATO, convida a comissão a visitar as regiões libertadas da Guiné-Bissau. A Comissão deixa de falar nos “territórios administrados por Portugal”, passando a referir-se aos “territórios sob dominação portuguesa”. As condenações sucedem-se, a dureza dos termos cresce.

Vai seguir-se um período de moderação na substituição de Salazar por Marcello Caetano, a despeito do governo português não dar qualquer sinal sobre um eventual reconhecimento do direito à autodeterminação, os termos suavizam-se, nas resoluções pede-se a Portugal, repetidamente, que não utilize meios de guerra química contra as populações. Em 22 de Novembro de 1970 o governo português põe-se a jeito, graças ao ataque a Conacri, rapidamente se percebeu que a condenação portuguesa pelo Conselho de Segurança trazia uma nova destabilização: a presença de navios soviéticos nas águas da República da Guiné, a URSS legitimava a sua presença na África Ocidental. Aumentavam os efetivos e as despesas militares, tirando o controlo da guerrilha no Norte de Angola, tudo alastrava na Guiné e em Moçambique.

E assim se chegava ao agravamento do litígio e isolamento português. Em Fevereiro de 1972, durante uma sessão do Conselho de Segurança em Adis-Abeba, Amílcar Cabral implicava maiores responsabilidades para o próprio Conselho, dizendo: “Aquele que não compreendeu a nossa natureza de soldado anónimo das Nações Unidas não compreendeu os princípios desta mesma Organização nem os objectivos da libertação nacional”. E colocou a questão do reconhecimento de representatividade do PAIGC, evocando, pela primeira vez perante a ONU, o problema da admissão da Guiné libertada na ONU. Uma delegação do Comité de Descolonização deslocara-se ao interior da Guiné e produzira um relatório favorável, a resolução daí adveniente foi o de apelar a que Portugal encetasse negociações para dar uma solução ao conflito armado. Em 1973, tudo se altera com a declaração unilateral da independência da Guiné-Bissau e à volta do 25 de Abril de 1974 a ONU preparava-se para receber a nova República.

Depois de um sinuoso processo em que Spínola se confrontou com o MFA e os partidos que sempre reclamavam a autodeterminação e a independência, aprovou-se a lei constitucional 7/77, de 27 de Julho, estava aberto o caminho para o reconhecimento da Guiné-Bissau e para negociações com os movimentos de libertação. Nesta fase da vida diplomática portuguesa procurou-se atrelar o processo da descolonização à ONU, era esta a estratégia de Veiga Simão e Spínola, exceção seria a Guiné-Bissau. Em 17 de Setembro, a Guiné-Bissau foi o 138.º Estado-Membro a ser admitido. Terminava o litígio com a ONU iniciado em 1960. Mário Soares pronunciou o seu primeiro discurso em 23 de Setembro, subordinado ao tema O Novo Portugal e as Nações Unidas. Cerca de um mês depois, Costa Gomes era o primeiro presidente da república portuguesa a intervir na ONU, pôde dirigir-se “a todos os povos do mundo”.

Assembleia Geral da ONU
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19481: Notas de leitura (1148): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (72) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19491: A Galeria dos Meus Heróis (22): O "Duque de Palmela" ou o pão que o diabo amassou - II (e última) Parte (Luís Graça)

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Luís Graça, ex-fur mil, CCAÇ 12, Contuboel, junho de 1969
A galeria dos meus heróis > O “Duque de Palmela” ou o pão que o diabo amassou- II (e última parte)

por Luís Graça 




(Continuação)


12. O “Duque de Palmela” não se deu mal com a “nova vida”, a de padeiro (*)... Deixou de fazer colunas, operações e serviço de sentinela, mas tinha que trabalhar de noite para ter pão fresco todas as manhãs… 

E a verdade é que a malta se habituou ao pão fresco todas as manhãs. E isso também ajudou a levantar o moral da tropa. O casqueiro era um parte importante da ração a que cada homem tinha direito. Fazia parte dos 24 escudos e 50 centavos que cabiam a cada militar, do soldado básico ao general, para efeitos de alimentação. Quem era arranchado, recebia em géneros, quem era desarranchado recebia em espécie, sendo no caso dos africanos, muçulmanos ou animistas, que não comiam a comida dos brancos, um importante complemento do salário: dava para comprar um saco de arroz de 100 kg.

− Comia-se mal e porcamente. Faltavam as batatas. E os frescos só os havia quando, uma vez por outra, vinha uma avioneta de Bissau. Massa com cavala era o prato do dia. O vinho era pouco e 'batizado'. Que não faltasse, ao menos, o pão nosso de cada dia…

O Zé Soldado era pãozeiro. O padeiro, por sua vez,  tinha que saber gerir muito bem o “stock” de farinha (e fermento…), sobretudo no tempo das chuvas em que as picadas no sul da Guiné se tornavam autênticos rios. O  abastecimento era então irregular e incerto.


Na realidade, ficavam isolados muitos aquartelamentos, destacamentos e tabancas. As colunas tornavam-se um pesadelo, às vezes andava-se um quilómetro por hora (!) e praticamente não se fazia mais nada do que tentar assegurar, a todo o custo, no final do tempo seco e no início do tempo das chuvas, a autossuficiência da tropa em matéria de abastecimentos (munições, comes & bebes, etc.). A farinha e a cerveja era dois géneros alimentares de “primeiríssima necessidade”… Ainda bem que a atividade operacional ficava mais reduzida, sobretudo de julho a setembro, meses de maior pluviosidiade, tanto para as NT como para o PAIGC.

O nosso homem tinha, nesse aspeto, um bom entendimento com o vagomestre e com o capitão. E nunca houve, até ao primeiro ano, falta de farinha para fazer o pão.

− No novo “posto”, eu tinha durante o dia tempo e vagar para ir passear à tabanca, fazer a 'psico',  e, ao lusco-fusco, ir caçar galinhas do mato e lebres,na orla da bolanha. Arranjei uma espingarda de caça e ganhei um vício que não tinha…


− A caça ?!...

− Sim, a caça... Dava para fazer o gosto ao dedo e sempre se arranjava carne para o petisco. Matei a malvada a muita gente, incluindo alferes e furriéis… Uma vez por outra convidava o capitão, mas ele nunca aceitava… Acho que não se queria misturar... Por outro lado, ele não gostava nada que eu saísse fora do arame farpado, mas lá ia fechando os olhos… E eu também não era mau cozinheiro, diga-se em abono da verdade…



13. A coroa de glória do “Duque de Palmela” foi quando a companhia, a dois grupos de combate, ficou com as calças na mão, mum medonho ataque a um dos seus destacamentos, lá para os lados de Aldeia Formosa, já na segunda parte da comissão, em 1967.

− Os gajos atacaram-nos,  às tantas da noite, e usaram metralhadoras pesadas 12.7, com balas incendiárias. Acordei sobressaltado. Em pouco tempo, a tabanca, fula, com as palhotas muito juntas umas às outras, foi pasto das chamas. Nunca tinha visto um incêndio como aquele, a não ser quando se deitava fogo ao capim, no tempo seco. Valeram-nos as valas onde o pessoal se entrincheirou e resistiu até de madrugada. Eu, mais o capitão que teve o azar de lá estar nessa semana, agarrámo-nos com unhas e dentes ao morteiro 81. A companhia tinha apenas uma secção de morteiros. E dessa vez estava colocada, em reforço, noutro destacamento, não muito longe do nosso. Mas tínhamos, aqui, um morteiro 81. Apoio de artilharia não havia.

O nosso padeiro conta que ia ficando com as mãos queimadas se não fora as luvas que apareceram no espaldão, "por milagre".

− Granadas não faltavam, graças a Deus. E foi a nossa sorte. Os gajos retiraram com mortos e feridos, a avaliar pelos rastos de sangue que deixaram nos abrigos individuais junto ao arame farpado. Em contrapartida, tivemos dois mortos e vários feridos graves. Só por milagre, é que a população se safou. Mas a tabanca ficou praticamente calcinada. E com ela perdemos também os nossos haveres e os improvisados abrigos onde tínhamos os géneros alimentícios, e as outras palhotas que sido cedidas à tropa. 


A descrição não poderia ser mais pormenorizada:

− A tabanca estava sobrelotada. Era pressuposto ficarmos ali temporariamente em reforço da autodefesa. Havia suspeitas, fundadas, de colaboração com o inimigo, por parte de alguns elementos da população, e que por isso estavam de debaixo de olho do comandante do pelotão de milícias e do régulo.

− Mas os fulas eram leais à nossa tropa…

− Nem todos, junto à fronteira, eram mais permeáveis à propaganda e às ameaças do PAIGC – respondeu-me o M. Santos.

− Quer dizer que, dessa vez, vocês ficaram de tanga…

− Ficámos de calcões e chanatas. Só com a G3 na mão, e as cartucheiras à cintura… A minha mala ardeu. Houve malta que perdeu tudo, tinham trazido os pertences com eles, convencidos que iam passar ali umas ricas e merecidas férias… O tanas!... O mais grave é que ficámos sem comes e bebes, incluindo as rações de combate. Lá se aproveitou uma ou outra maldita lata de cavalas em conserva… Claro que a população também pilhou o que não ardeu... Nestas situações, os seres humanos são todos iguais, sejam brancos ou pretos: há sempre uns tantos que tiram partido da desgraçada dos outros...


De Bissau vieram, de helicóptero, trazer alguns reabastecimentos mais urgentes: caixas de munições, por exemplo. A coluna de Nova Lamego só chegou ao fim do segundo dia. E traziam alguns sacos de farinha. Mas como fazer pão se até o pequeno forno do destacamento, em adobe, também tinha sido destruído?

− Com bidões cortados ao meio, na vertical, improvisei um forno e fiz o milagre dos pães, para meia centena de homens esfomeados… Tive um louvor do Schulz, e outro do comandante do batalhão, sob proposta do meu capitão. Mandei ampliar e emoldurar o louvor do general Schulz. Está no escritório. Ou estava, agora já passei a pasta ao meu filho mais velho. Reformei-me da Panificadora.


13. A padaria a que o “Duque de Palmela" Se refere, foi a que criou, depois do seu regresso da Guiné em finais de 1967, e que ajudou a crescer, nos últimos 50 anos, "com mais algumas dezenas de colaboradores".


Com a construção e a inauguração da Ponte Salazar, unindo finalmente as duas margens do Tejo, entre Lisboa e Almada, o distrito de Setúbal conheceu um enorme surto de desenvolvimento, em termos urbanísticos, industriais, económicos e demográficos.
Com algum dinheiro que poupou em África e um pequeno empréstimo bancário e mais uma ajuda de um dos irmãos que fora a salto para França, fugindo à tropa, e que agora estava lá bem, perto de Paris, o “Duque de Palmela" comprou a quota de um seu antigo patrão, que se reformara, e que fazia parte de uma cooperativa de panificação num dos concelhos vizinhos. Essa Panificadora deu muitas voltas, depois do 25 de Abril, passou a sociedade anónima, até que o M. Santos se tornou o acionista principal, com o filho e com o irmão que estava em França.

Hoje é uma empresa de referência, no seu ramo, faturando cerca de 6 milhões de euros, e tendo uma razoável rede de clientes, incluindo superfícies comerciais, em todo o distrito de Setúbal. O “Duque de Palmela”, outrora o “pé descalço”, o 1º cabo que queria "ser mercenário e ir para o Vietname", tem hoje motivo de orgulho no legado que deixa aos filhos e netos.

− É sobretudo um exemplo de vida, tenho pena que o meu velhote já não esteja cá, há muito, para ainda poder ver a obra do filho.


Enxuga uma lágrima furtiva… Pediu-me uns minutos para ir a casa, uma bela vivenda ali ao lado das instalações fabris da Panificadora, para ir buscar uma foto que tinha com o general Schulz e mostrar-me o louvor, emoldurado.

− Não conheci o Spínola, o meu comandante foi o Schulz. Só tenho a dizer bem dele. Visitou-nos por duas vezes. Esta é a foto dele comigo, eu a enfornar o pão. E chegou a levar do meu pão para o palácio do Governador, em Bissau. Em troca deixou-me uma caixa de cerveja “para os padeiros”...

Infelizmente, o “Duque de Palmela” tinha enviuvado há dois ou três anos e lamentava não poder partilhar, com a “duquesa” (como ele, carinhosamente, tratava a sua alentejana de Santiago do Cacém), a alegria que fora a “transferência de poderes” para o filho, seu sucessor, e agora o maior acionista da Panificadora e seu administrador.

− Afinal, é a ela que eu devo tudo ou quase tudo. A ela e ao meu capitão. Foi, na Guiné, um pai para mim. Fiquei-lhe grato para o resto da vida. Vim a descobrir, entretanto,  que trabalhava nas Alfândegas de Lisboa, há uns dez anos atrás, quando ele se reformou. Nessa altura, fiz-lhe uma grande homenagem. Fizemos aqui o convívio anual da companhia. Foi memorável. Faltaram muitos mas mesmo assim consegui juntar uns sessenta camaradas. Com as mulheres, filhos e netos, eram quase um centena de convivas. Fiz questão de ser eu a oferecer o almoço. Arranjei uma empresa de “catering” e o borreguinho assado foi feito cá nos fornos da Panificadora. Por coincidência, comemorávamos também nesse ano os 40 anos do regresso da Guiné.


E acrescenta, com alguma euforia:

− Foi um dia de alegria, um dos maiores da minha vida. Esse convívio ficou na memória da malta toda. E quem não veio, ficou com pena… Infelizmente, o capitão morreria uns tempos depois, ainda a minha mulher era viva.


Falando do seu sucesso empresarial, disse-me em tom de confidência:

− Tive sorte nos negócios, não vou dizer que não. Mas fui sempre um homem decidido e determinado. Tinha pouco a perder e tudo a ganhar. Se fosse alferes ou furriel, com estudos, teria arranjado um emprego num banco ou num escritório, aqui ou em Setúbal. Hoje sou patrão, ajudei a criar cinquenta postos de trabalho, são outras tantas famílias que dependem do bom andamento da empresa. Não tenho luxos, tirando a caça, continuo a ser um gajo simples… O que é quer que lhe diga mais, camarada ?!... Ponha aí que sei dar valor ao dinheiro e ao trabalho, e sou amigo do meu amigo.


Curiosamente, eu conhecera este homem, não na Guiné, mas por ocasião de um estudo europeu sobre condições de trabalho, saúde e absentismo, nos anos 90. A Panificadora tinha então ganho um prémio de segurança, e poderia ser um potencial estudo de caso de “boas práticas”… Conheci o pai e o filho através do médico do trabalho que tinha uma avença com a empresa e que fora meu aluno. Conversa puxa conversa, acabei por saber que ele tinha estado na Guiné, antes de mim, mas não longe dos sítios por onde passei e penei…

Já nessa altura eu gostava de dizer que o mundo é pequeno e que um dia voltaria a tropeçar na guerra da Guiné. Também eu, como muita gente, precisava de exorcizar os fantasmas do passado.

− Chegou a hora do repouso do guerreiro, camarada! – disse-lhe eu, da última vez que estive com ele, já depois de enviuvar.

− Esse é um dos problemas da malta da nossa geração… Muitos nunca fizeram férias, passaram a vida a trabalhar e a poupar, não gozaram a vida… Falo por mim… Como saber que estamos a chegar ao fim da picada ? Ainda gostava de lá ir, à Guiné, mas não sei se tenho força nas canetas…

− Mas já agora diga-me porquê e para quê voltar à Guiné?!... Se a pergunta, claro, não o ofender… – pedi-lhe eu. (Continuávamos a tratar-nos por camaradas, mas não por tu, ao fim destes anos todos, cerca de vinte e tal…).

Pesou a pergunta antes de responder:

− Porquê ?... O criminoso gosta sempre de voltar ao local do crime – respondeu-me com  bonomia. 


− E para quê, já agora ? – voltei a insistir.

− Olhe, sempre ouvi falar do Saltinho e dos rápidos do Corubal, até se dizia que era a parte mais bonita da Guiné… Andei por lá perto, mas nunca lá fui, nunca vi sequer o rio Corubal. Era um dos sítios da Guiné que gostava de visitar… E, depois, se conseguir fazer alguma coisa por aquela gente, tanto melhor.


Demos um grande abraço de despedida… e eu prometi a mim escrever a história de vida deste homem… Porque não pô-lo também na Galeria dos Meus Heróis ?!


Sei que voltou o ano passado à Guiné-Bissau e ainda encontrou gente do seu tempo, nas tabancas que ele conhecia… Mandou construir , do seu bolso, uma escola na antiga tabanca onde estivera destacado, e que ardera em 1967. Julgo que fez as pazes com o passado, tal como eu.

Faltou-me na altura, por lapso ou talvez por pudor, perguntar-lhe a origem da alcunha “Duque de Palmela”… Não tive lata ou faltou-me o tempo, se bem que ele nunca tivesse rejeitado, bem pelo contrário, a alcunha que lhe puseram na tropa e na guerra. Estendia a mão, muitas vezes, aos amigos dos seus amigos, quando se apresentava,  dizendo com graça: 'O Duque de Palmela, para o servir!'... Inclusive tratava a esposa por “duquesa… de Santiago do Cacém”. Tinha sentido de humor.


Um antigo camarada, furriel, da sua companhia, explicou-me, ao telefone, a origem da alcunha:

− Em Santa Margarida, no IAO, já toda a gente o tratava por “Palmela”… Acho que não havia mais ninguém daquelas bandas… Ao que parece, no barco, quando fomos para a Guiné, é que apareceu o “Duque”… Ele gostava de jogar às cartas, para passar o tempo, como boa parte dos militares embarcadis. Mas não tinha sorte ao jogo… ‘Só me saem duques’, queixava-se sempre que perdia… Afinal, foi um camarada com azar ao jogo e sorte aos amores e aos negócios, pelo que eu sei e pelo que me contas… Quando chegou a Bissau, já toda a malta o tratava por “Duque de Palmela”… E acho que é também uma justa homenagem, visto o filme ao contrário, da frente para trás…


− É uma figura ilustre da nossa história, o 1º Duque de Palmela, político, militar e diplomata, um patriota do tempo do liberalismo − acrescentei eu. − Não nasceu em Palmela, mas para o caso pouco importa.No tempo da nossa monarquia constitucional davam-se títulos nobiliárquicos honoríficos por razões nem sempre nobres...  aos amigos eo correligionários . Dizia o povo, com sarcasmo: "Foge, cão, que te fazem barão!... Mas para onde se me fazem viscnde?!"... Não me admirava nada que no próximo 10 de Junho a gente ainda va a tempo de ver, na televisão, o nosso ex- camarada M. Santos a receber a comenda de mérito industrial... Nada msis justo, ver o nosso padeiro chegar a comendador depois de ter comido o pão que o diabo amassou  Afinal, mudam-se os tempos, mudam-se  as honrarias e as mercês..


Luís Graça (2019). Todos os direitos reservados.


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Guiné 61/74 - P19492: XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande, Palace Hotel de Monte Real, 25 de Maio de 2019 (1): Primeiras informações e abertura das inscrições (A Comissão Organizadora)

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XIV ENCONTRO NACIONAL DA TABANCA GRANDE

MONTE REAL

25 DE MAIO DE 2019


Camaradas e Amigos da Tertúlia, o XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande vai ser levado a efeito no próximo dia 25 de Maio, em Monte Real, no Palace Hotel das Termas.

Considerem desde já abertas as inscrições que deverão ser encaminhadas para o editor Carlos Vinhal (carlos.vinhal@gmail.com) com a indicação do nome das pessoas a inscrever, proveniência e, caso necessitem de alojamento, especifiquem quais noites e quantos quartos, single ou duplos vão precisar.

Quem se apresentar pela primeira vez irá receber um crachá anexo à mensagem de confirmação da inscrição para imprimir em casa e exibir durante o Convívio.


1. EMENTA DO ALMOÇO E LANCHE

Entradas: 
Saladinha de Polvo
Salada de Bacalhau 
Salada de Atum
Salada de feijão-frade com orelha grelhada 
Guisado de dobrada
Meia desfeita de bacalhau 
Salgadinhos variados
Presunto fatiado 
Meia concha de mexilhão com vinagreta 
Tortilha de camarão
Pezinhos de coentrada 
Choquinhos fritos à Algarvia
Joaquinzinhos de escabeche 
Sonhos de bacalhau 
Coxas de frango fritas à nossa moda 

Almoço:
Creme de Legumes 
Perca à Lagareiro 
Petit gateau de chocolate com gelado de tangerina 

Bebidas: 
Moscatel, Porto Seco, Martini – só nas entradas 
No almoço: Vinho branco e tinto Fontanário de Pegões; Vinho verde tinto Aguião e verde branco Loureiro - Ponte de Lima 
Cerveja 
Água mineral 
Sumo de laranja 

Lanche:
Carnes frias com molho tártaro
Azeitonas com laranja e orégãos 
Enchidos da região grelhados
Queijos variados 
Charcutaria variada 
Franguinho assado 
Batata Chips 
Salada de tomate 
Salada de alface 
Salada de cenoura 
Salada de Pepino 
Mesa de sobremesas 

Preços:

Almoço e Lanche: 35.00€/pessoa 
Criança até aos 12 anos – 18.00€ 

Alojamento com pequeno-almoço incluído: 
Single: 50,00€
Duplo: 60,00€


2. Programa do dia elaborado pelo nosso camarigo Joaquim Mexia Alves:

10h30 - Concentração dentro do parque das termas 
11h30 - Missa  de Sufrágio pelos camaradas caídos em campanha e pelos camaradas e amigos que ao longo do tempo nos foram deixando.
12h00 - Fotografia  de família
12h30 - Entradas  servidas na varanda, se o tempo permitir
13h30 - Boas vindas na sala de almoço
14h00 - Almoço 

Depois de uma tarde que se quer de vibrante convívio, o Lanche será servido entre as 17h30 e as 18h00

Toda e qualquer dúvida deve ser enviada ao e-mail acima indicado

A COMISSÃO ORGANIZADORA
Carlos Vinhal
Joaquim Mexia Alves
Luís Graça
Miguel Pessoa
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Guiné 61/74 - P19493: Fotos à procura de... uma legenda (112) : Messe improvisada numa ponte em 26 de janeiro de 1968... Foto do Arquivo Mário Soares... Serão fuzileiros ? Que ponte seria esta ? (Jorge Araújo)

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Citação: (1968), "Exercito português. Guiné. Messe improvisada numa ponte.", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_114447 (2019-2-12) (foto reproduzida com a devida vénia,,,)

Fonte: Casa Comum, Fundação Mário Soares.
Pasta: 06916.004.036
Título: Exército português. Guiné. Messe improvisada numa ponte. 
Assunto: Exército Português em operações de guerra na Guiné. “Messe” improvisada sob uma ponte. Data: Sexta, 26 de Janeiro de 1968. 
Fundo: MAS – Arquivos Mário Soares – Fotografias Exposição Permanente. 
Tipo Documental: Fotografias.





Jorge Alves Araújo, ex-fur mil op esp / Ranger, CART 3494 
(Xime-Mansambo, 1972/1974); coeditor do blogue


1. INTRODUÇÃO

Já aqui vos dei conta, em outras ocasiões, da existência de fotos de militares do Exército Português nos Arquivos de Amílcar Cabral, localizados na Casa Comum, Fundação Mário Soares.

A imagem que hoje vos apresento, com data de 26 de Janeiro de 1968, 6.ª feira, portanto de há cinquenta e um anos atrás, merece uma legenda, digo eu, pois seria interessante identificar o local onde foi tirada, e quem sabe, trazer à memória dos que nela constam, algumas histórias vividas no CTIG.

Desta vez, a proveniência é do Arquivo Mário Soares [1924-2017]  e não do Arquivo Amílcar Cabral.

Segundo creio, estamos perante elementos dos “fuzileiros” acreditando serem pretas as suas boinas.

Será?

Aguardo sugestões.

Com um forte abraço de amizade e votos de boa saúde.

Jorge Araújo.

12Fev2018

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Nota do editor:

Último poste da série > 29 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19244: Fotos à procura de...uma legenda (111): Ainda o sorriso da bajuda do Gabú... (Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil, CCAÇ 3535, Angola, 1972/74)

Guiné 61/74 - P19494: Historiografia da presença portuguesa em África (149): Relatório do Delegado de Saúde da vila de Bissau, o médico de 2.ª classe Damasceno Isaac da Costa, referente a 1884 (2) (Mário Beja Santos)

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1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Junho de 2018:

Queridos amigos,
A historiografia sobre a Guiné vai estar em dívida com este médico, Damasceno Isaac da Costa. Não conheço para este tempo, estamos a falar de 1884, de um documento tão detalhado sobre a presença portuguesa, o que era a vila de Bissau, o estado decadente da fortaleza, o quase abandono do Ilhéu do Rei, a situação do presídio de Geba.
Iremos ver mais adiante que ele não esconderá absolutamente nada sobre a salubridade e higiene pública. No final do seu relatório ele lista um conjunto de plantas medicinais, outra curiosidade a que não nos podemos furtar.
Mas que belo documento para sabermos de viva voz o que era a rusticidade, para não dizer o quase apagamento, da nossa presença no exato momento em que a Guiné se autonomizara de Cabo Verde.

Um abraço do
Mário


Relatório do Delegado de Saúde da vila de Bissau, o médico de 2.ª classe Damasceno Isaac da Costa, referente a 1884 (2)

Beja Santos

Este relatório consta dos Reservados da Sociedade de Geografia de Lisboa e foi oferecido pelo seu filho Pedro Isaac da Costa ao antigo administrador de Bissau, António Pereira Cardoso, autor de um conjunto apreciável de documentos, muitos deles de leitura indispensável para conhecer a vida administrativa da Guiné, sobretudo entre as décadas de 1930 e 1950.

Este relatório, como se verifica pelo seu fecho, foi copiado pelo filho do autor. E diz-se que é de estranhar que tendo sido escrito em 1884 se refere a factos de 1888.

Trata-se de um documento irrecusável, nenhum trabalho historiográfico sobre este período em que a Guiné ganhou autonomia como Província tem cronista de igual estatura. É meticuloso e muito observador. Veja-se como descreve a vila e fortaleza de Bissau. Diz que a vila tem 460 metros de comprimento e 240 de largura. No passado, a vila constituía um reino administrado por um régulo que exercia a alta dignidade de balobeiro-mor, tinha superioridade sobre os restantes régulos e fruía das imunidades e sinecuras que pertenciam ao régulo de Bandim.

A vila está cercada de todos os lados por pântanos, cujas exalações deletérias influenciam ativamente a salubridade pública. Os miasmas vindos dos pântanos na sua propagação não encontram outros elementos que o muro de pedra e cal de quatro metros de altura que circunda a povoação.

Dentro da vila existem alguns poços e uma fonte denominada Pidjiquiti, mas as águas tanto desta como dos poços apresentam-se constantemente estagnadas, por culposo desleixo das autoridades locais. Existem as seguintes repartições do Estado: Administração do Concelho, Câmara Municipal, Alfândega, Delegação da Junta de Saúde e Hospital, Tribunal Judicial, Subdelegacia de Julgado, escolas de instrução primária. Todas estas repartições funcionam em casas particulares, tomadas de arrendamento por conta do Estado.

A fortaleza de Bissau fica a 150 metros da praça. É composta de um reduto quadrado construído de pedra e cal, tendo em cada ângulo um baluarte abrigado por um secular poilão. Os baluartes estão guarnecidos de peças na sua maioria oxidadas e encravadas por falta de reparações. A muralha tem 60 palmos de altura e 100 passos de comprimento em cada lado. Em torno da muralha existe um fosso que na quadra das chuvas recebe imundícies de toda a espécie; o fosso é um extenso foco de insalubridade.

Dentro da fortaleza existe uma caserna para os soldados, um quarto para oficiais, um dito para a arrecadação de géneros, três ditos para as cadeias, uma igreja e um paiol. A caserna e os dois quartos que ficam contíguos são baixos e não possuem capacidade nem ventilação nem luz necessária para a livre circulação destes dois fatores. Um dos quartos em que funciona a cadeia civil e militar está situado na entrada da fortaleza e tem as seguintes dimensões e condições higiénicas: 4 metros de comprimento sobre 2 de largura; o vigamento corrupto e húmido ameaça o seu desabamento; a ventilação e a luz são insuficientes. Os outros dois quartos que servem de cadeia militar estão em idênticas condições, um deles não possui sequer uma janela. A igreja tem sofrido ultrajes de toda a qualidade, experimentou ultimamente algumas reparações devido ao incansável zelo do atual pároco missionário, Luiz Baptista de Rosário e Souza. A casa em que funciona o paiol é bastante espaçosa mas não possui uma única janela, é excessivamente húmida e ameaça ruína. Esta casa é imprópria para o fim a que é destinada.

Extramuros, funciona um tribunal judicial presidido por um grumete analfabeto que tem o nome de Juiz do Povo.

A justiça perante este tribunal faz-se da seguinte forma: o réu é conduzido à rua grande (local do tribunal) e aí após um pequeno interrogatório e ouvidas as partes e o povo, é o mesmo condenado a uma multa nunca inferior a 50 mil réis, que ordinariamente é paga em bebidas alcoólicas ou mercadorias.

Concluída esta descrição, o médico dá-nos pormenores sobre o Ilhéu do Rei e o presídio de Geba. Começando pelo ilhéu, diz que defronte dos dois poilões seculares que existem no porto e que servem de fundeadouro aos navios de alto bordo que demandam o porto de Bissau, surge o Ilhéu do Rei ou dos Feiticeiros que tem uma milha de comprimento e meia de largura; e pela sua posição geográfica e condições higiénicas conviria muito que para ali fosse transferida a povoação de Bissau. O Ilhéu do Rei foi comprado aos Papéis por Honório Pereira Barreto, possuía outrora um pequeno fortim, um estaleiro para as embarcações de todas as lotações, uma povoação com 600 habitantes e várias casas comerciais. Agora, na decadência é uma povoação que está reduzida a 25 habitantes.

Bem curiosa é a descrição que faz do presídio de Geba. Começa por dizer que descoberto há mais de 400 anos pelos ousados navegadores portugueses, o presídio de Geba está situado a 60 léguas acima de Bissau. É ocupado por negociantes cristãos, Mandingas e Fulas-Forros e Pretos. Possui a povoação dois baluartes, um dos quais se acha em ruínas e cercado de espesso arvoredo e por isso e pela sua posição nenhum meio de defesa oferece; o outro, construído em 1875, não tem peça nenhuma. O governador Agostinho Coelho enviou em 1881 a Geba instrumentos e materiais e ordenou a construção dos sobreditos baluartes, mas até hoje não se deu começo à referida obra.

No ponto denominado Baixa-mar, jaz enterrada uma urna contendo uma ata assinada pelo Governador Agostinho Coelho e por vários funcionários e negociantes, lavrada por ocasião em que o vapor Guiné sulcando pela primeira vez as águas do tortuoso mas pitoresco rio Geba, aportaram a este último presídio.

Possui Geba a igreja de Nossa Senhora da Graça, construída em 1881 a expensas dos habitantes mas não possui paramentos nem alfaias religiosas.

É tradição oral que nas proximidades do presídio existem minas de ouro e que na época em que foi abolida a escravatura foram enterradas dentro da praça e no bairro denominado Santa Cruz, quarenta arrobas de ouro, que eram de um negociante português que andava perseguido pela justiça por se entregar ao tráfico da escravatura, internara-se nos sertões da Guiné para se pôr a coberto da espada da Justiça.

(Continua)

Alçado da ala lateral do Quartel Militar de Bolama
Fotografia de Francisco Nogueira, retirada do livro “Bijagós Património Arquitetónico”, Edições Tinta-da-China, 2016, com a devida vénia.



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Nota do editor

Último poste da série de 6 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19475: Historiografia da presença portuguesa em África (148): Relatório do Delegado de Saúde da vila de Bissau, o médico de 2.ª classe Damasceno Isaac da Costa, referente a 1884 (1) (Mário Beja Santos)
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